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Educação superior & pandemia: normas educacionais X normas gramaticais

07 de Janeiro de 2021 às 01:17

Educação superior & pandemia: normas educacionais X normas gramaticais Crédito da foto: Fábio Rogério (24/8/2020)

Paulo Cardim

A educação superior ofertada pela livre iniciativa tem passado por surpresas desde o dia 1º de dezembro de 2020. Portarias ministeriais e pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), que parecem buscar o retorno às atividades acadêmicas presenciais, misturam educação básica, regulamentada pelos sistemas estaduais e municipais, e educação superior para o sistema federal de ensino, integrado pelas instituições particulares e as mantidas pela União. Escolas públicas e universidades, centros universitários e faculdades privadas são colocados no mesmo farnel.

Por outro lado, a expressão “autoridades locais”, para alocar as responsabilidades pelas decisões sobre a volta ao ensino presencial, trouxe para a educação superior da livre iniciativa uma enorme sombra de dúvidas. Quais são essas autoridades? Governadores e prefeitos ou, além desses, secretários e conselhos de Educação, magistrados ou qualquer agente público com autoridade para tanto?

A politicagem praticada por alguns governadores e prefeitos, em relação à pandemia da Covid-19, preocupa os dirigentes das instituições de ensino superior (IES) particulares por atos do Ministério da Educação, submisso à deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), ao entregar a essas autoridades a decisão sobre a suspensão das atividades presenciais em todos os níveis educacionais.

O CNE editou o Parecer CNE/CP nº 19/2020, que reexamina o Parecer CNE/CP nº 15/2020, que trata das diretrizes nacionais para a implementação dos dispositivos da Lei nº 14.040, de 2020, durante o estado de calamidade pública.

Depois de editada a referida lei, o CNE aprovou o outro parecer, que estabelece diretrizes nacionais para a implementação dos dispositivos da referida lei. Restou, contudo, uma dúvida, que envolve o uso da conjunção alternativa ou na Portaria nº 1.38/2020 -- e a conjunção aditiva -- e na Resolução CNE/CP nº 2/2020.

A essas normas deve-se a insegurança jurídica que cobre de sombras a educação superior brasileira a partir de 1995, com a edição da Medida Provisória no 1.159, de 1995, convertida na Lei nº 9.131, de 1995, recepcionada pela Lei nº 9.394/1996, a atual LDB.

Nesse sentido, para o uso da excepcionalidade da educação não presencial, há que ocorrer, sincronicamente, a suspensão das atividades letivas presenciais por determinação das autoridades locais e condições sanitárias locais que tragam riscos à segurança das atividades letivas presenciais. Essa redação fortaleceu a oferta presencial do efetivo trabalho acadêmico, a partir de 1º de março de 2021.

Por outro lado, a oferta não presencial da integralidade da carga horária das atividades acadêmicas na educação superior será uma excepcionalidade, com prazo estabelecido pelas “autoridades locais”.

Nos termos da Portaria nº 1.030/2020, o reconhecimento das “condições sanitárias locais que tragam riscos à segurança das atividades letivas presenciais” seria da competência dos dirigentes das IES. A Resolução CNE/CP nº 2/2020, contudo, tornou obrigatório ato das “autoridades locais” para a “suspensão das atividades letivas presenciais”. Essa delegação pode ter sido adequada para a educação básica pública, mas equivocada para a livre iniciativa, que tem um compromisso com a educação de qualidade, em particular, a educação superior.

É oportuno lembrar que as IES já estão autorizadas à oferta de 40% da carga horária total do curso de graduação na modalidade a distância. Penso, todavia, que as aulas podem ser presenciais para o ensino superior de livre iniciativa, a partir do início do primeiro semestre letivo de 2021, quando não houver “suspensão das atividades letivas presenciais”, com justificativas devidamente comprovadas pelas “autoridades locais”. É de todo inconveniente o início do ano letivo em 1º de fevereiro com aulas remotas ou a distância para, no início de março, voltar às atividades acadêmicas presenciais. Isso promoveria uma insegurança desnecessária por parte de toda comunidade acadêmica e também afetaria o planejamento das IES para o ano letivo de 2021. Não se justifica atrasar um mês em que os estudantes seriam privados do efetivo trabalho acadêmico presencial. A não ser por absoluta decisão e opção de cada aluno do ensino de privado.

Caso as IES mantidas pela União e as demais instituições públicas não estejam preparadas ou instrumentadas para iniciarem suas atividades acadêmicas na modalidade presencial, cabe ao MEC cuidar das federais e aos sistemas estaduais e do Distrito Federal ditarem normativas para as mantidas pelas unidades federadas e os municípios.

Por que nivelar tudo por baixo? A livre iniciativa tem características organizacionais e jurídicas completamente diferentes das instituições públicas e, como tal, merecem um tratamento adequado a essas diferenças. Não se trata de privilégio, mas de justiça.

As atividades acadêmicas presenciais são essenciais para o regular funcionamento das IES comprometidas com uma educação superior de qualidade. Essa é a nossa prioridade.

Paulo Cardim é reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (MEC/Conaes) e da diretoria da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem).