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Driblando o alemãozinho

12 de Abril de 2019 às 23:43

Driblando o alemãozinho Crédito da foto: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Quantas vezes a gente, em busca da leitura,/Procede tal e qual avozinho infeliz:/

Em vão, por toda parte, os óculos procura/Tendo-os na ponta do nariz! Mário Quintana

O que Winston Churchill, Ronald Reagan e Margareth Tatcher tiveram em comum, além de ter vencido a Alemanha? Os três, no fim de suas vidas, perderam para o alemão. Sem noção de tempo ou espaço, não reconheciam familiais e amigos, nem sabiam onde estavam. Morreram do mesmo mal do ator de “Desejo de matar” (Charles Bronson), do comediante seduzido pela “Dama de vermelho” (Gene Wilder) e do criador de Tom&Jerry (William Hanna). Sem esquecer “Gilda”. A belíssima Rita Hayworth, atriz e dançarina, aos 53 anos começou a apresentar sinais de demência. Certamente ajudada por excessos de álcool e maridos.

Quem pela vez primeira descreveu a patologia e, a ela emprestou seu nome, foi o psiquiatra Alois Alzheimer (1864-1915), nascido na pequena cidade Marktbreit (Alemanha). Se você procurar na internet verá que o “descobridor do alzaimer” tinha cabeça grande, usava pince-nez, e exibia profunda cicatriz no rosto. Esta, lembrança indelével de perigoso esporte praticado na mocidade. Se a prática da esgrima apenas o marcou, o uso inveterado dos charutos -- largava cinzas e queimados nos quatro cantos do laboratório -- deve ter contribuído para matá-lo. Faleceu aos 51 anos.

Estudou Medicina em Berlim. Formado, trabalhou em Frankfurt no manicômio apelidado Castelo dos Loucos. Ganhou notoriedade por humanizar a atenção e por usar microscopia para estudar o sistema nervoso dos pacientes. Tornou-se referência na histopatologia da PGP (Paralisia Geral Progressiva) com a publicação de 170 casos da moléstia. Só para situar. Causada pela sífilis, PGP é aquela psicose das piadas de humor negro em que o paciente se acha Napoleão, Jesus Cristo, Hitler, etc.

Em 1902, num Congresso de Psiquiatria, apresentou o caso de mulher internada com sinais muito semelhantes aos da demência senil. Auguste Beter não sabia seu nome nem o ano de nascimento; não reconhecia o marido, alternava o humor sem motivo aparente. Acontece que Frau Beter tinha apenas 51 anos de idade. Na microscopia do cérebro, Dr. Alois descreveu alterações dos neurônios e depósitos de uma substância, hoje classificada beta-amiloide.

O Mal de Alzheimer ainda desafia a moderna medicina. Houve progressos no manejo e avanço a busca de fármacos que anulem o efeito deletério das placas beta-amiloides sobre as sinapses neurais. Mas, ainda não tem cura. Progride inexoravelmente para a demência. A morte mental precede o óbito físico. A paciente número 1 faleceu de pneumonia aos 55 anos.

Entre os docentes da Faculdade de Medicina de Sorocaba alguns chegaram perto do centenário sem caduquice. Brilhante professor de Pediatria sucumbiu ao Mal de Alzheimer precoce (menos de 60 anos) enquanto grande mestre da Psiquiatria amargou a forma tardia do Mal.

Dizem que atividades sociais, físicas e intelectuais ajudam a driblar o “alemãozinho”. Por isso vocês têm que me aguentar todo sábado enquanto o Eterno (e o Cruzeiro do Sul) permitirem. Pesquisando para escrever a coluna, treino meus neurônios.

Para o drible recorto as cruzadas. Aprendo até idiomas. Chuva é “rain”, água é “eau”, sim em espanhol é “si”. Ara é altar dos sacrifícios e Ramsés, faraó. Laço apertado “nó”. Se craque de futebol com 4 caselas, Pelé; se 8 quadrinhos, Neymar Jr. O rio em Paris é Sena, se corta Roma, Arno. Para aguardente com 3 letras, escrevo rum; se os espaços forem 7, cachaça. Pessoa que ajuda político é assessor (Não seria com “c”? Cacilda! onde guardei o Houaiss?!). Tem o chato óbvio: o “G” da Fundação Getúlio Vargas refere-se a Getúlio; as iniciais de Chico Mendes são “CM”. Se o conceito é cantor Nélson com 3 letras, cravo Ned. Se pedem grupo de rock, e não for Beatles, danço!

Doem-me olhos. Penso alto. Onde deixei meus óculos? Passo a mão na testa para ver se lá está. Alguém grita “faz 10 anos que você não usa óculos”. Bom, melhor parar por aqui. O que eu estava fazendo? Será que estou levando dribles?à

Help! SOS? Mayday! Mayday! Socorro!

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve para o Cruzeiro do Sul -- [email protected]