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Dos amigos da onça

03 de Outubro de 2020 às 00:01

Dos amigos da onça Crédito da foto: Agência Brasil

Edgard Steffen

Diz o preguiçoso: Um leão está no caminho, um leão está nas ruas...

(Provérbios 26 13 a 16)

Não é história dalgum preguiçoso. A televisão mostrou onça-parda circulando, em pleno dia, pelas ruas da pacata Cerqueira César. Belo e saudável jovem macho de Puma concolor -- onça-parda, suçuarana, jaguaruna, leão-baio, leão das montanhas ou cougar (USA), puma (Portugal) -- reconhecia a área para demarcação de seu domínio.

Tanto o nome científico P. concolor como aqueles usados pelo povo referem-se à sua coloração. Concolor quer dizer “da mesma cor”. Leão-baio é autoexplicativo. Susua refere-se a “veado” e rana significa “semelhante” na linguagem tupi. Predador e principal presa exibem semelhante coloração da pelagem.

A suçuarana ocorre desde o Canadá até a Patagônia. Na América do Norte predomina a subespécie Puma concolor cougar. É o grande predador dos cervídeos americanos.

Sua prima Panthera onca onça-pintada, jaguar, onça-preta ocorre desde a América Central até as florestas tropicais da América do Sul. Ambas são caçadoras solitárias, com maior atividade crepuscular e nas horas que antecedem o nascer do sol. Aproximam-se de suas presas sorrateiramente até distância adequada para ataque mortal. Não correm atrás da vítima. Enquanto a pintada prefere o ambiente mais próximo dos grandes rios, a parda prefere os lugares mais altos e secos. Nenhuma delas costuma atacar o homem. Pelo contrário, fogem dele. Somente acuada e/ou ferida, segue seu instinto e pode atacar o bicho-homem. Com escassez de presas naturais em seu bioma, as onças atacam reses nas fazendas. No Capão Grande (Indaiatuba, SP), onde passei parte de minha infância, cartucheira e pele de onça-pintada adornavam uma das paredes da casa. Fazendeiro, na proteção do plantel de animais domésticos, meu tio Carlos Oscar abatera a fera de 1,60 m de comprimento e 0,60 m de altura. A façanha virou notícia em jornal de circulação nacional. Não havia, em 1929, consciência ecológica, mas tio Oscar manteve a reserva de Mata Atlântica de onde o felino saíra. Os compradores da herdade, transformaram-na em pasto.

O fogo tem feito enorme estrago na flora e fauna do Pantanal. Fotos e reportagens vêm mostrando cobras, tatus, catetos, jacarés, antas e outros animais mortos pelas chamas. Dois artigos recentes, no “Estadão”, chamaram-me a atenção. O esforço voluntário de biólogos e veterinários atendendo animais feridos, como o felino Ousado -- nome dado a um macharrão que ousava aparecer durante o dia às margens do rio. Desta vez encontrado semimorto à margem de um corrixo com graves queimaduras. Sedaram-no e o levaram para a retaguarda. Outro destaque, a entrevista com Roberto Klabin, criador da Ong SOS Pantanal e proprietário do Recanto Ecológico Caimã. O empresário afirma da necessidade em aprender com o momento e repensar a proteção ao bioma; acredita na recuperação e em medidas preventivas contra futuras queimadas.

Não podemos chamar essa gente “amigos das onças”, porque personagem de cartunista e velha piada encenada pela dupla Alvarenga&Ranchinho mudaram a semântica deste especial amigo. A piada era, mais ou menos, assim: Alvarenga testa parceiro -- Cumpadre, se ocê sozinho no mato topa com uma onça, o que ocê faz? Atiço os cachorro. E se não tiver cachorro? Pego a espingarda e atiro. E se não tiver espingarda? Subo numa arve. Se não tivé nenhuma arve? -- Pera ai, cumpadre, ocê é amigo meu ou da onça? replica Ranchinho indignado. Péricles Maranhão (1924 - 1961) criou o Amigo da Onça para a Revista “O Cruzeiro”. Personagem baixinho, cabeça grande, queixo afilado, bigode fino, gravata borboleta, paletó branco e calça pretas. Seus conselhos sempre resultavam em prejuízo ao aconselhado. Desgostoso por haver criado o debochado “amigo”, Péricles suicidou-se. Na véspera do ano novo de 1962, fechou o apartamento e abriu o gás. Consciente, deixou bilhete na porta “Não risquem fósforo”.

Conselho a ser colocado em outdoors nas estradas pantaneiras “Não risquem fósforos a toa”.

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: [email protected]