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Discurso, ideologia e poder no rap de Emicida

06 de Agosto de 2019 às 00:01

Wilton Garcia

A violência no Brasil expõe desigualdades: econômica, identitária, sociocultural e política. Essas desigualdades mencionam disputas discrepantes que estratificam o modo Ser/Estar sujeito no mundo.

Aqui, a aproximação de discurso, ideologia e poder deve ser abordada a partir do pensamento de Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês. Também, o protagonismo hipermidiático aponta para a tríade -- emancipação, independência, autonomia -- desenvolvida por Karl Marx (1818-1883), filósofo alemão.

Dos problemas enfrentados, no país, estendem os parâmetros mercadológico-midiático sobre consumo e tecnologia, tendo a diversidade -- de classe, gênero, orientação sexual, raça, religião, região. A diversidade gera condições adaptativas, pois se multiplicam alternativas distintas (de)marcadas por opções, seleções, preferências, variáveis, escolhas ou decisões.

Por isso, urgem perguntas: é possível uma sociedade sem ideologia? Ou melhor, quem te representa? Não há vida humana sem ideologia ou representação.

Este texto explora o videoclipe “AmarElo” (2019), com direção de Sandiego Fernandes, música do rapper Emicida e participação das cantoras transexuais Majur e Pabllo Vittar. Com mais de 3 milhões de visualizações, o audiovisual foi lançado, em 29/6/2019, no Youtube.

Para além da canção, há uma proposta político-identitária no vídeo, cuja produção cultural contemporânea surge como porta-voz da diversidade: diversus em latim. O vídeo clama pelo debate urgente no combate dessa realidade devastadora de mazela, miséria, pobreza brasilis.

No videoclipe, vozes sobrepostas no rap (rhythm and poetry) manifestam sua posição contra hegemônica. Seria uma reação à insegurança e à violência -- um basta ao ódio. É estar ciente, também, de que com os direitos surgem as responsabilidades.

Do ponto de vista do discurso, as estratégias discursivas engendram um posicionamento do sujeito na sociedade atual. São novas formas de discursos na produção cultural. Emicida desenha uma estética no videoclipe, ao criar um diálogo com a periferia e valorizar comunidades e favelas. Sua mensagem convoca a participação de grupos minoritários, marginalizados.

Já, do ponto de vista da ideologia, o vídeo expõe cenários e narrativas de moradores/as dos morros do Rio de Janeiro, como agentes de transformações sociais, a semear afeto, sensibilidade e amor. Ou seja, o audiovisual desempenha uma voz coletiva a qual expressa as dinâmicas comunitárias. Diversas profissões são contempladas para que a juventude possa revelar seu desejo, suas ideias, sem medo de ser feliz.

Ainda, do ponto de vista do poder, o engajamento e o empoderamento dos/as envolvidos/as são o reconhecimento da dignidade humana para a luta e a resistência aos inúmeros conflitos. Por isso, não basta obter apenas um discurso vazio (na música ou no videoclipe), sem a perspectiva da prática. Uma prática sociocultural precisa atingir maior camada da população jovem brasileira que necessita de esperança para acreditar e avançar rumo ao futuro. Assim, é garantir que o sonho aconteça, ao desarmar a diferença. Não se deve ter medo da diferença!

No campo contemporâneo da comunicação e da cultura, por exemplo, torna-se imprescindível (re)considerar as práticas socioculturais na produção de informação, ao respaldar as articulações do sujeito humano. Na reflexão (o saber) e na prática (o fazer), ressalta-se o interesse por mudança.

Nesse caso, uma produção cultural deve favorecer a diversidade e pautar o estado democrático de direito. O potencial de uma verdade encantadora pede a colaboração de todos/as. Como resultado, não se trata de denúncia nem reivindicação. Porém, respeitar a diversidade é fundamental, uma vez que se pluralizam possibilidades. Vale a digna-solidariedade.

Wilton Garcia é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Uniso. Doutor em Comunicação pela USP. E-mail: [email protected]