Disciplina e liberdade
Dom Julio Endi Akamine
Há algum tempo, tive a oportunidade de realizar uma cerimônia religiosa com os adolescentes da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) de Sorocaba. Antes da celebração, visitei as instalações e fui informado dos horários e da disciplina dos adolescentes. Devo confessar que me senti muito identificado com os internos.
Poderia dizer que essa identificação brotou do Evangelho: “estive preso e fostes me visitar”; “tudo o que fizerdes a um destes menores de meus irmãos foi a mim que o fizestes”.
O motivo, porém, foi bem mais prosaico. Para surpresa minha, tomei consciência de que a disciplina dos adolescentes privados de liberdade foi a mesma que vivi por 13 anos no seminário: horários, atividades educativas e esportivas, trabalho manual, regras de convivência, cuidados pessoais etc., tudo isso coincidiu de maneira surpreendente!
É claro que há também diferenças. As principais são duas: no tempo de seminário, tinha uma rotina diária de oração, missa e exercícios espirituais; além disso, estava no seminário por uma escolha minha e não por uma imposição externa.
Muito do que sou hoje devo à formação recebida no seminário. E uma das coisas que esse contato com os adolescentes internados da Fundação Casa me fez cair na conta foi a de que a disciplina é necessária para a educação humana.
Podemos sofrer a disciplina como uma imposição externa e extrínseca. Nesse sentido, a nossa preocupação principal será a de nos livrar dela o mais rápido possível. Podemos também integrar a disciplina como uma limitação assumida em vista de um bem a ser alcançado. Um bom exemplo disso, é a disciplina dos atletas de alto rendimento, que se privam de muitas coisas moralmente boas para ganhar provas. Nesse sentido, a disciplina é um meio necessário para atingir objetivos exigentes e difíceis. Por fim, podemos viver a disciplina como um modo sapiente e mais eficaz de fazer o bem. É aquilo que nós chamamos de virtude. A aquisição das virtudes infelizmente parece ter sumido do horizonte da educação como discurso e como prática.
Pela aquisição das virtudes, o ser humano pode cultivar suas potencialidades, superar limites e defeitos, curar feridas e traumas. Uma educação que procura cultivar a disciplina entendida como virtude é uma ação que confia na generosidade da natureza humana, sem deixar de estar atenta aos desvios e aos vícios que as pessoas podem desenvolver. Confiança e correção estão na base de uma disciplina educativa perspicaz e preventiva.
Agradeço aos educadores da Fundação Casa pela oportunidade de celebrar com os internos durante a Semana Santa. Exorto-os assim como todos os outros educadores e aos pais para que a disciplina não seja imposta como punição, nem como mero meio para atingir objetivos, mas que ela seja incutida em nossas crianças e jovens com um bem precioso e necessário para a nossa vida e nosso amadurecimento.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.