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Dia Mundial da Água: será que conseguiremos protegê-la reduzindo também as perdas?

24 de Março de 2021 às 00:01

Hélio Samora

Dia 22 de março celebramos o Dia Mundial da Água, data criada pela ONU em 1992 para reflexão mundial sobre a importância de preservarmos os recursos hídricos. Porém, apesar do crescente alerta global, no Brasil e em muitos outros países os persistentes e elevados índices de perdas de água tratada refletem o baixo nível de preocupação das empresas de saneamento, das agências reguladoras e dos governos com o problema.

Para ficarmos apenas no caso brasileiro, segundo a média nacional apresentada pelo SNIS, as perdas totais (perdas totais = água tratada produzida -- consumo medido) chegaram a 51% em 2019, superando os 50% de 2018. Analisando rapidamente o saneamento no país, os números assustam: 40 milhões de brasileiros não têm água tratada; outros 40 milhões vivem com racionamento de água diversos meses por ano (inclusive em capitais de estados) e um pouco mais de 100 milhões não têm esgoto recolhido em suas casas. Além de tudo isso, as empresas de saneamento públicas ou privadas têm lucratividade semelhante às das empresas de tecnologia, ou seja, obtêm lucros superiores a 30%, e algumas até chegam a 40%.

Esses fantásticos e invejáveis números de lucratividade são celebrados anualmente pelo setor, porém escondem uma ineficiência que tem que ser atacada de maneira efetiva: a de perdas de água. No entanto, são poucas as empresas que têm investimento contínuo e sistemático no combate às perdas, sejam físicas (vazamentos) ou comerciais (sub-medição, fraudes, etc.). Em estudos que realizamos, caso as perdas de água no Brasil fossem reduzidas de 51% para 25% (número ainda alto, porém mais aceitável), mais 38 milhões de pessoas poderiam ter água em suas casas, os racionamentos seriam apenas pontuais e o aumento de faturamento do setor poderia ser aumentado em pelo menos R$18 bilhões anuais, sem contar com a significativa redução de doenças geradas pela falta de água tratada e pela redução dos impactos ambientais que a produção de água traz para rios, lagos e represas.

No início de 2019, juntei forças com o Eng. Enéas Ripoli, profissional com 40 anos de experiência no mercado de saneamento e uma referência no setor, para desenvolvermos uma solução focada no combate às perdas de água e desde então tento traçar paralelos de eficiência no saneamento com a indústria de manufatura, onde atuo há 35 anos.

A indústria de manufatura viveu, e ainda vive, diversos ciclos de melhoria de qualidade e produtividade na engenharia, no chão de fábrica, na cadeia de fornecedores; um dos mais importantes foi na segunda metade da década de 1980 onde assistimos a Motorola implementar uma metodologia de melhoria de processos e controle de qualidade conhecida com 6s (six sigma), baseada em conceitos matemáticos desenvolvidos no final do século 19. Na década seguinte, a General Electric adotou e centrou sua estratégia de negócios na metodologia, já então mais conhecida na indústria, e obteve, sob o comando de Jack Welch, os melhores resultados da empresa desde sua fundação, comprovando de vez a eficácia da metodologia.

Além da melhoria de processos, uma métrica de qualidade perseguida pela metodologia 6s é de apenas 3.4 defeitos em 1.000.000, ou seja, índice de conformidade de 99.99966%. Parece um sonho, porém há várias empresas de tecnologia que oferecem produtos com esse nível de qualidade. Se analisarmos a indústria de aviação, os índices de qualidade chegam a 7s, ou seja, 0.019 defeitos por 1.000.000, e por esses motivos ocorrem tão poucos acidentes aéreos. Ainda bem!

Caso analisássemos os índices de perdas de água tratada de países e empresas de saneamento sob a ótica da metodologia 6s, o resultado seria bastante perturbador. Os melhores países no ranking de perdas de água um pequeno e seleto grupo de países que inclui Israel, Japão, Dinamarca, dentre poucos outros o índice seria 3s com perdas inferiores a 8% (3s equivaleria a 6.7% de perdas). Um segundo grande grupo com perdas de 10% a 30% estaria entre 3s (6.7%) e 2s (31%), porém inúmeros países, incluindo o Brasil, estariam entre 2s (31%) e 1s (69%).

Podemos dizer que o setor de saneamento tem um desafio enorme à frente, quando comparado com as melhores indústrias do planeta, sejam de tecnologia, de aviação, automobilística, entre outras. Esse desafio só será vencido com a conscientização de governantes, executivos e conselheiros das empresas de saneamento públicas e privadas sobre a importância do combate às perdas de água e do investimento em tecnologias modernas, dentre as quais se destaca a inteligência artificial, para identificar e atacar o problema das perdas que afeta o setor e penaliza inúmeras cidades e suas populações.

*Hélio Samora é graduado em Engenharia Mecânica (Mackenzie), com pós-graduação em Marketing Industrial (ESPM)e sócio-fundador e CEO da SmartAcqua.