Deste lado do palco
Crédito da foto: Divulgação
Lia Canineu
Existe teatro sem público?
O martírio do artista de teatro é emprestar sua capa e forro. Através de si, ele comunica por, entre e em seu ser, transmitindo o que o autor pede, pelo olhar do diretor, para o espectador.
Ele é um ser imperfeito, porém sua vocação excelsa. Por meio do teatro, entretêm, informa, alerta, conscientiza, acalenta, ampara, instiga e etecetera. O público é impactado de diversas maneiras. Para cada tema encenado alguns fins, gerando para quem assiste dezenas de sensações.
O artista é essencialmente um ser insaciável, falo por experiência própria. Carece de viver fortes emoções, carece de experimentar o inusitado, carece de criar expectativas. Embora a realidade atual nos confira tais necessidades, existe algo maior, algo mais importante faltando para nós operários da arte! Carecemos da atenção, do feedback daqueles para quem dedicamos as fortes emoções, o inusitado e a expectativa: o público, nosso amado convidado.
Viver esse dramático pandemônio, tem me causado uma reflexão muito necessária sobre a importância da testemunha no fazer teatral, me lembrou o quão essencial é o espectador!
Não querido leitor, teatro não existe sem público. Teatro não se faz solitário. O artista precisa do público, especialmente agora!
Nosso setor foi um dos primeiros a ser impactado pela inevitabilidade do isolamento social e com certeza será um dos últimos a voltar à ativa. Como fica então o ofício do artista?
Temos buscado diversas maneiras de nos reinventar e seguir a movimentar as engrenagens que mantêm o cenário cultural brasileiro ativo. A união imprescindível com o universo on-line nos conecta novamente com aqueles que costumavam aplaudir ao vivo. Virtualmente “mexemos nossos pauzinhos” para tentar seguir em frente, mas encontramos muitas dificuldades na tentativa de quebrar essa excepcional quarta parede.
Devo lembrá-los que não são todos os artistas que têm a possibilidade de gerar renda por meio das redes sociais. Aliás, essa é uma realidade de muito poucos. Artistas de rua, poetas da periferia, como tantos outros, não têm nem mesmo acesso à internet. Encontram-se absolutamente isolados do seu público e, portanto, do seu ganha pão diário. Para muitos, isso pode significar falta de comida e moradia.
Os profissionais da cultura não fazem parte dos mais de 53 milhões de brasileiros que contaram com o auxílio emergencial de R$ 600 cedido pelo governo federal. O auxílio lançado em abril para apoiar trabalhadores informais sem dúvida está ajudando muita gente, mas ainda assim, falha em contemplar todos aqueles que precisam de amparo neste momento.
De um dia para o outro, eu, como muitos outros colegas artistas, perdi minha única fonte de renda. No dia 17 de março testemunhei uma companhia de mais de 150 profissionais, entre atores, músicos, maquinistas, camareiras, microfonistas, visagistas, técnicos de palco perder seu emprego na semana que seria sua estreia.
Fomos surpreendidos com uma repentina rescisão contratual e os melhores desejos de uma retomada. Mais de setenta dias se passaram. Setenta dias em que continuamos a precisar comer, morar e pagar contas. Seguimos sem perspectiva. Imagine aqueles que já estavam sem emprego antes da pandemia.
Não é muito barulho por nada, caro leitor!
Este não é um apelo para que quebremos o isolamento e voltemos a inconsequentemente nos aglomerar em casa de shows, cinemas e teatros. Trata-se de uma lembrança a você quarentener, que tem regado sua reclusão com músicas, fugido da monotonia com filmes e buscado espairecer com séries. Tudo isso que hoje te acalenta e te previne de perder a cabeça, foi desenvolvido por artistas que podem agora estar passando muita dificuldade.
E o que você pode fazer para apoiar esses profissionais?
Primeiramente, valorize mais a arte, na linguagem que for. Lembre-se que aquilo que você consome foi criado por alguém que carece dos mesmos direitos e necessidades que você. Ofereça também sua atenção aos artistas da sua comunidade, do seu convívio. Promova seus trabalhos! E neste momento, é importante que nos ajude pressionando aqueles que têm poder de voto a aprovar projetos de leis que socorram os trabalhadores da cultura, como o PL 1075/20, lei Aldir Blanc, que há poucos dias passou com êxito pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal e agora depende da sanção do Presidente da República para entrar em vigor.
Precisamos do nosso amado público, nossa querida plateia. Continuamos a contar com vocês.
Lia Canineu é escritora e atriz nascida em Sorocaba.