Delicadeza mascarada
Crédito da foto: Christophe Simon / AFP
Lia Canineu
Em tempos de coronavírus nos deparamos diariamente com delicadas situações que, se não fosse o imediatismo que corre no sangue dos contemporâneos, deveriam ser lidadas meticulosamente.
Atropelamos a galopes circunstâncias cujo ineditismo nos assusta. “A vida é uma caixinha de surpresas”, certamente nunca passou pela cabeça do autor da máxima, que a surpresa seria uma pandemia mundial.
Ninguém recebeu um manual de instruções e está para nascer quem mate a charada de prima. Entre acertos e erros, estamos todos dando o nosso melhor e os mais sensíveis, criando repertório.
Festinhas de aniversário são um prato cheio para pedir o VAR. Assoprar a vela, pode juiz? E tirar aquela foto em família em frente ao bolo? Ah, isso pode, mas me diz, que criança retira a máscara segundo as boas práticas e/ou lava as mãos na dúvida?
As atitudes mais corriqueiras se tornaram verdadeiros desafios. Cumprimentar um conhecido é como adentrar um campo minado. Um tapinha nas costas? Beijo no rosto nem pensar! Devo tirar a máscara para mostrar que estou sorrindo? Será que devo oferecer o cotovelo? É assim que as pessoas estão fazendo agora, não?
A sensação de pisar em ovos acontece com mais frequência com aqueles que precisam sair do conforto de suas casas.
Ao entrar em qualquer recinto primeiro é necessário enfrentar um circuito minucioso. Para começar: uma fila logo na entrada, nota-se que sair quando não pode é certamente mais prazeroso, mas a ocasião pede que evitemos a habitual troca de calor humano, preferida entre brasileiros. Diz-se que um metro e meio de distância basta para assentir segurança. Depois de um jato de álcool gel nas mãos algum funcionário reticente pela nova função, se aproxima para aferir a temperatura do cliente. Em seguida, o carrinho ou cesta é higienizado e avisos lhe abordam sinalizando que somente um membro da família é permitido por vez. Finalmente, é dada a largada, já exaurido corre-se para riscar os itens da lista de compras, para encontrar não menos que uma sequência de outras situações delicadas, como perceber que a atendente de caixa está tossindo ou que o repositor na gôndola mais próxima abaixa sua máscara pela frente para coçar o nariz.
Tenho certeza que você, carx leitxr, nunca deu tanto ibope para manifestações secretoras. Espirros, tosses e até aquele funga-funga, típico da rinite nesta época do ano, são recebidos com olhares tortos e desconfiados. É alérgico? Fique em casa!
Aos trancos e barrancos, ou melhor, a medições de febre e higienização das mãos, vamos nos adaptando ao que aparentemente virá a ser nosso novo normal.
Saúde a todos.
Lia Canineu é atriz e escritora.