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Das Pontes e Pinguelas

27 de Outubro de 2018 às 07:03

Das Pontes e Pinguelas Crédito da foto: Vanessa Tenor

Edgard Steffen

Maior ponte do mundo é inaugurada na China (Dos jornais de 23/10/2018)

Pontes são importantes referências no curso de nossas vidas ou de nossas cidades. Naquele agosto de 1950, no ônibus que descera a Avenida São Paulo (ainda sem calçamento) e atravessara a ponte ao lado do bonde, invadiu-me a sensação de que chegara ao meu destino. Trezentos anos antes, Baltazar Fernandes, teve emoção vitoriosa quando, auxiliado por seus índios, construiu a primeira grande ponte da Província, noutro ponto da Vila¹.

Nasci num município sem grandes cursos d’água. Em minha visão de criança, pontes eram pequenas estruturas que eu conhecia porque faziam parte do caminho aos sítios e fazendas dos parentes e amigos. Ou quando acompanhava meu pai na fiscalização de obras municipais. Sempre havia alguma a ser consertada ou reconstruída.

Senti-me empoderado quando fui morar em Salto. Todos os dias, atravessava a ponte de madeira sobre o Tietê rumo às aulas no ginásio de Itu. Muitas vezes -- com frio na barriga pelo balanço da ponte pênsil da Brasital -- ia gozar privilegiada vista da cachoeira que deu nome à cidade. A cascata era linda. A espuma branca, resultante do bater das águas, cheirava bem. Cheirava água limpa. Diferente da espuma nauseante que a poluição trouxe para nossos dias. Nem os taperás² que nadavam nas pedras aguentaram a sujeira. Há muito foram embora.

Cartões postais tornam familiares lugares fora do alcance de nossos olhos e de nossos bolsos. No cinema, na televisão e na internet podemos resgatá-los. É o caso da Ponte Alexandre III e a Pont des Arts, símbolos de Paris. A primeira usada em filmes memoráveis e a segunda tão cara aos amantes e namorados que “amarraram seus amores” a ponto dela quase desabar ao peso dos cadeados presos à sua estrutura. Quando você vê o Tâmisa e suas Torres reconhece Londres. Se aparece a Golden Gate imediatamente sabe estar perto dos velhos bondes e ladeiras de São Francisco da Califórnia. Todo mundo reconhece a Ponte do Brooklin, de onde se tem uma das melhores vistas de Manhattan. Mais perto de nós a desativada Ercílio Luz simboliza Florianópolis. A velha ponte pênsil em São Vicente ainda está lá. Antigamente indicava que você estava no rumo de Mongaguá e praias do sul.

Construções sobre rios dão ótimos cenários para os diretores de cinema. Quem, entre os mais velhos, não engoliu em seco e disfarçou alguma furtiva lágrima com a desdita de Myra (Vivian Leigh) que esperou Roy (Robert Taylor) voltar do front para o encontro programado na Ponte de Waterloo? Tudo ao som da Valsa da Despedida (For Auld Lang Syne) Ou, odiou o oficial japonês torturar Alex Guinness na construção do Rio Kway, ao som de marcha assobiada?

Todas as reminiscências vieram-me à mente ao ler a notícia que abre esta crônica. Lembrei-me de excursão³ nos USA. Saindo de Virginia Beach nosso ônibus tomou a Rota 13 e chegou a uma ponte sobre a Baía de Chesapeake. Pareceu-me a maior do mundo. Para construí-la criaram ilhas artificiais. Duas pistas paralelas, avançam sobre o mar e se transformam em túnel antes de emergir novamente, cumprindo extensão total de 37 km. O túnel foi necessário para não interromper o caminho dos grandes navios da frota de guerra baseada em Norfolk. Foi inaugurada em 1964, construída pela iniciativa privada.

Das 10 maiores pontes do planeta, 7 são chinesas e 3 americanas. A ponte/túnel China -- Macau -- Hong Kong, inaugurada neste 23/10/2018, após 9 anos de obras, tem 55 km de extensão.

A Rio-Niteroi (inaugurada em 1974) mede pouco mais de 13 km. Mas é nossa. Isso importa mais que o tamanho. O mesmo se diga da construída por Baltazar Fernandes. Pode ter sido quase uma pinguela. Imensa sua importância histórica.

(1) Wey Neto, O. - Homens que fizeram nossa História 2015 Ed TCM pag. 15

(2) Provavelmente andorinhão-de-coleira (Streptoprocne zonaris) que costuma se alojar e nidificar em paredões junto às cachoeiras.

(3) Miami Whashington New York por via terrestre

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço -- [email protected]