Crime do colarinho branco
O brasileiro espera pela Justiça desde quando essa senhora ainda enxergava, sem vendas, e a Morte e Vida Severina ainda gozavam de boa saúde. A justiça tarda, mas não falha porque tem assento numerado, auxílio-moradia e não quer ser descontada. No Brasil graças à Lava Jato, alguns ricos e famosos já começam a ser alcançados pelo cotovelo da lei e vão cumprir penas com tratamento igual aos presos comuns.
Infelizmente nossas leis não preveem a condenação desses políticos a trabalho em jornadas de 8 horas diárias, horário de entrada e saída, registro biométrico, patrão e ganhos por produção com aposentadoria post-mortem. Os direitos humanos dos políticos não permitem porque, quando essa emenda foi apresentada ao plenário, os legisladores acharam mais fácil aprovar a pena de morte ou a amputação de um membro que condenar um parlamentar a trabalhar com carteira assinada.
Mesmo assim condenou-se o ex-presidente Lula a 12 anos de prisão -- qualquer relação com o envelhecimento de certas bebidas é pura coincidência -- e foi colocado em regime duríssimo: cela presidencial tríplex, com número de visitas limitadas por falta de mais vagas no pátio de estacionamento e espaço reduzido a 200 advogados. Para protegê-lo, recebeu seguranças armados e evitar que algum ladrão entre na cadeia, já que atualmente o mais comum é eles saírem. Mas nunca se sabe. Vai que...
A ex-primeira dama do Estado do Rio de Janeiro, casada com um Cabral, que contrário daquele personagem histórico que descobriu o Brasil, este encobriu muita coisa no Brasil. Foi condenada a ficar sem joias caras e ao banho de sol nas praias de Ipanema (Arpoador nem pensar), a prisão domiciliar -- graças a ter um filho cuidado por babás -- enquanto jantava em Paris. Precisa ver as fotos do filho para se lembrar do rosto do garoto.
Zé Dirceu é o condenado que um dia espera conhecer uma prisão para saber como é para colocar em seu novo livro, o de literatura, já que o de lançamentos de depósitos em contas no exterior foi confiscado pela PF. Está condenado a fazer churrascos todos os finais de semana em sua chácara, mas só com carne, sem direito a sobremesa. Ele teme por nova condenação e se não aguentar a pressão, talvez morra de tanto rir com a possibilidade.
Entre os apenados temos Carlos Cachoeira, que terá que suar como qualquer um fazendo trabalhos musculares forçados na sua própria academia de ginástica e trocar a cor do carro importado para combinar com a tornozeleira eletrônica. Eduardo Cunha acabou no banco dos réus, pois nos bancos estrangeiros ele sentava, deitava e rolava fazia tempo.
As fotos dos condenados foram tiradas e serão publicadas em festejada revista de notáveis, de frente e do melhor perfil. Condenados tão famosos que alguns artistas comovidos interromperam seus shows para acompanhar os inquéritos pela coluna social ou fazer uma foto com os meliantes para o novo DVD. Há especulações sobre próximas condenações, pois os condenados estarão usando os uniformes da coleção primavera-verão de um costureiro francês que aderiu à causa. Vários personal trainers organizaram programas de exercícios, os chefs e os cardápios para a recepção dos novos condenados. As celas estarão na próxima “Revista de Decoração”, com sauna, hidro, piscina aquecida e carcereiro que atende em três idiomas. A única preocupação das autoridades é com as ameaças de rebelião se o patê de foie gras estiver fora do ponto. As visitas terão horário marcado e poltrona numerada para assistir aos depoimentos em horário nobre. A polícia pode até aparecer, mas só vai entrar se tiver convite.
Se é verdade que a sabedoria aumenta com a idade a minha se acumulou na cintura.
José Feliciano - escritor-roteirista - criador de casos e picuinhas e médico made in Taiwan.