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'Concorrência desleal' do italiano Ettore Scola

10 de Agosto de 2018 às 10:01

"Concorrência desleal", de 2001, retoma vários aspectos da situação política italiana de "Um dia muito especial", de 1972 do mesmo diretor e exibido na sexta-feira passada na Fundec: os dois filmes transcorrem em 1938 e citam a visita oficial de Hitler à Itália em maio daquele ano, os preparativos da população para o desfile em homenagem ao visitante, um locutor de rádio empolgado transmitindo a cerimônia. E, como "Um dia muito especial", tem muitas situações humorísticas e é, ao mesmo tempo, um drama tocante vivido pelos personagens, drama que é desencadeado pela política vigente na Itália naquele momento histórico.

Leone e Umberto brigam por causa de negócios, mas as famílias são unidas. Crédito da foto: Divulgação

Umberto é o proprietário de uma alfaiataria requintada em uma rua central de Roma. Ao lado do seu estabelecimento situa-se a loja do judeu Leone, que vende roupas baratas fabricadas em série. As duas famílias italianas, uma católica e outra judaica, mantêm boas relações e um filho de Umberto namora a filha de Leone; mas os dois homens se confrontam constantemente por causa da competição nos negócios, que Umberto considera desleal de parte do concorrente.

A visita de Hitler estimulou a prática das leis contra judeus na Itália, promulgadas na Alemanha em 1935. O filme mostra como gradualmente essas leis foram aplicadas em Roma: confisco de rádios, proibição aos judeus de exercerem várias atividades profissionais, escolas separadas para crianças judias, ação de jornais para atiçar o antissemitismo. As duas famílias vão se dando conta do que está acontecendo e procuram manter normalmente sua relação; Umberto se recusa a escrever que sua loja é de propriedade de um ariano e se aproxima amistosamente de Leone, tocado pela sua condição de judeu segregado.

O filme mostra um aspecto da questão judaica na Itália. Mark Mazower no livro "O Império de Hitler" e Hannah Arendt em "Eichmann em Jerusalém" tratam da atitude italiana frente à matéria. A aliança da Itália com a Alemanha se baseava em interesses comuns, ligando duas formas de governo similares. Mas, em muitos aspectos reinava a desconfiança entre as duas partes e Hitler e Mussolini não tinham muita simpatia um pelo outro.

Em nenhum outro tema, contudo, as divergências entre o fascismo de Mussolini e o nazismo de Hitler foram tão marcantes como no tratamento dado aos judeus.

Antes da ocupação alemã de Roma e do Norte da Itália em 1943, os alemães se confrontavam com a atitude italiana de não fazer nada sobre o assunto nas zonas que a Itália havia ocupado, porque os judeus se refugiam nessas áreas para obter proteção. O leitor que assistiu ao "A vida é bela" certamente lembrará de que sob o fascismo em 1939, mesmo depois da visita de Hitler, a hostilidade contra os judeus é discreta e mal nos damos conta da ascendência judaica do protagonista. Já na segunda metade do filme, depois da ocupação alemã, ocorrem as deportações para os campos de extermínio, atendendo às determinações da Conferência de Wannsee de janeiro de 1942, que decidiu a implementação da Solução Final da questão judaica.

Serviço:

Cine Reflexão

"Concorrência desleal"

Hoje, às 19h, na Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73)

Entrada gratuita

Nildo Benedetti - [email protected]

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