Colagem saudação ao ano que vai e ao que vem
Crédito da foto: Peter Parks / AFP
Edgard Steffen
For auld lang syne
We’ll take a cup of kindness yet
(Robert Burns)
Quando você assiste a um filme americano e a cena refere-se à passagem de ano, orquestra tocará e todos cantarão os versos que abrem esta crônica. O poema, em dialeto escocês, promete que velhos amigos -- possível esquecê-los? -- tomem (juntos) uma taça de gentileza pelos tempos idos. A canção celebrizada no Brasil desde o lacrimoso “A Ponte de Waterloo” mereceu versão que, como de costume, nada tem a ver com a canção original. “Adeus, amor, eu vou partir...”
Anos após, Chico Alves em parceria com Davi Nasser emplacou um 78 rpm com a Canção de Fim de Ano. Pelos tantos réveillons passados, cansei de aspirar que tudo se realize no ano que vai nascer. Claro que não dispenso dinheiro no bolso e saúde pra dar e vender. Mas, se me permitem, quero buscar em vários poetas saudações para o 2020 que está aí, às portas de nossas esperanças. Usando aquilo que Luiz Fernando Veríssimo denominou “erudição instantânea”, vou ao Google. Seleciono, recorto e colo. Até ouso modificações para que pareçam prosa.
Abro com Luiz de Camões: Continuamente vemos novidades/ Diferentes em tudo da esperança / Do mal ficam as mágoas na lembrança / E do bem, se algum houve, nas saudades.
Prossigo com Carlos Drummond de Andrade. No poema Passagem de Ano descreve com laivos de amargura “A vida gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia (quando) surge a manhã de um novo ano”. Noutra poesia¹ destila beleza quando recomenda “Para você ganhar belíssimo Ano Novo, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita. Não precisa expedir nem receber mensagens. Não precisa fazer lista de boas intenções, nem parvamente acreditar que, por decreto de esperança, a partir de janeiro as coisas mudem, e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados... Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”.
Clarice Lispector diz não pedir coisas demais para não confundir Deus que à meia-noite de ano novo está tão ocupado.
Vou roubar de Vinícius² seu protesto contra um ano ruim. “E foi-se o ano. Ano ruim, ano safado, ano assim nunca se viu! Ano chato, ano difícil, ano contraproducente. E isso porque além de todo esse estrupício, deu um estranho panarício no dedo de muita gente. Por isso, amigos, que este ano recém-nato, ao contrário do transacto, lhes chegue de fraldas limpas; e vocês tenham um milhão de coisas boas e possam ver suas pessoas num espelho mais bonito. Que todos se unam, se protejam, apertem os cintos; se reúnam nos recintos com esperança brasileira. E que se dê de comer a quem não come, porque o povo passa fome e a Fome é má conselheira. Pois a verdade é que tudo se renova: a bossa velha fica nova, o que eu acho muito bem. Só não renova quem está com o pé na cova, quem não cria e não desova, quem não gosta de ninguém”.
Termino com Ferreira Gullar³: “Meia noite. Fim de um ano, início de outro. / Olho o céu: nenhum indício. / O abismo vence o olhar. O mesmo espantoso silêncio da Via Láctea feito um ectoplasma sobre minha cabeça. Nada ali indica que um Ano Novo começa. / E não começa nem no céu nem no chão do planeta. Começa no coração. / Começa como esperança de vida melhor que entre os astros não se escuta nem se vê que isso é coisa de homem, esse bicho estelar que sonha (e luta)”.
Na impossibilidade física de tomarmos juntos uma taça de bondade ou amizade, esta colagem seja meu jeito emprestado para dizer “Feliz Ano Novo” aos que me acompanham neste honroso espaço do Cruzeiro.
1) Poema Ano Novo
2) Toadinha de Ano Novo
3) Ano Novo -- in Toda Poesi
Sorocaba, passagem de 2019 para 2020
Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: [email protected]