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Bom mesmo é falar mal da vida alheia

09 de Março de 2019 às 00:01

José Feliciano

“Cuidado para que sua língua não corte o seu próprio pescoço.” Provérbio árabe.

A fofoca também conhecida como mexerico em português, comadreria em espanhol, commérage em francês, gossip em inglês, klatschem em alemão, é considerada uma atividade humana que remonta às cavernas. Tudo indica que é muito bom falar mal da vida alheia... alheia!

Não há quem resista a certas frases quando duas ou mais pessoas se reúnem em ambiente social:

-- Como? Você não está sabendo?! Não acredito! deixa pra lá.

Essa frase dita com a entonação correta, que todo fofoqueiro conhece bem, provoca imediata reação no ouvinte. Seus olhos saltam, a boca seca, as orelhas crescem, o nariz funga e tudo cessa, quando o fofoqueiro se dá conta que está por fora de alguma fofoca nova. Comumente largam o que estão fazendo, param de comer, dirigir, pilotar, descem do carro em movimento, soltam a mão do outro trapezista. E quase como um ronco perguntam: -- Sabendo o quê?!

Steven Pinker, ex-diretor neurociências do M.I.T. (Massachusetts Institute of Technology, professor em Harvard, em seu livro “Os anjos bons de nossa natureza” -- Cia da Letras, 2011 -- relata a fofoca como forma de defesa dos agrupamentos humanos contra forasteiros ou proteção de integrantes do próprio grupo cujo comportamento pudesse ser ameaçador ou prejudicial. Ou seja, a fofoca já teve uma justificativa nobre na evolução do homem. No entanto, no mais das vezes serviu para desmoralizar os poderosos.

Contrariando a crença popular, a Social Issues Research Centre, um centro de pesquisas de Londres, em entrevista com mil donos de telefones celulares constatou que 33% dos homens eram fofoqueiros habituais, contra apenas 26% das mulheres (Clério Rios - 2010). Baltazar Gancian, 1647, no livro “A arte da prudência” (Ed. Sextante - 2006) alertava: “Vive-se mais daquilo que se ouve do que daquilo que se vê... É necessária muita atenção para descobrir a intenção do intermediário”. Em tempos de mídias sociais, a afirmação do monge do século 17 continua atual.

A fofoca ganhou amplitude universal e arrasadora com a internet e se refletiu em todos os espaços da família ao local de trabalho. No jornal A Tribuna -- Vitória, ES, 2013 -- uma matéria destaca que 9.698 pessoas perderam o emprego por fofoca e dados do Ministério do trabalho deram conta que dos 323.282 desligamentos nos seis primeiros meses daquele ano, 3%, ou 9.700 pessoas perderam o emprego por fofoca. De acordo com o Código Penal, Capítulo V, artigos 138 a 140, calúnia, difamação e injúria podem resultar em indenizações ou, até mesmo, prisão. Mas quem se importa?

Para Patrícia Bispo do site rh.com.br, a fofoca “prejudica a imagem da empresa diante dos funcionários e isso é um começo para desestabilizar a credibilidade existente na relação empresa-funcionário. Os conflitos tendem a ocorrer com mais frequência entre os profissionais, uma vez que o ‘disse-me-disse’ sempre faz vítimas e acaba até mesmo com longas amizades”.

No site do Observatório da Imprensa, Mauricio Stycer (2014) fala sobre o jornalismo de fofoca, muito apreciado por artistas que encontram nestas publicações uma forma de visibilidade, algumas pagas e outras recebendo pela matéria. Recentemente o nascimento de filhos de modelos teve as fotos do bebês regiamente pagas. É uma relação perigosa, pois não raro há escândalos envolvendo jogadores e atrizes, estas e atores, casais famosos que se envolvem em discussões públicas ou via mídias sociais, e governantes que, se falam de assuntos republicanos de menos, escrevem bobagens demais. Há até tabloides, o inglês “Daily Mirror” e o mais famoso “The Sun”, no Brasil várias revistas que vivem desse expediente. Porém nada supera as redes sociais. E muitas vezes na base do: Si hay escandalos publíquelos si no hay inventemos.

Não saber de alguma fofoca que, implicitamente todos já sabem, torna o fofoqueiro receptor um refém, desinformado, um por fora, um pária no universo dos linguarudos.

Pior do que não saber é saber uma fofoca é sabê-la pela metade.

-- Juvenal, o que aconteceu que tá todo mundo cochichando pelos cantos?

-- Melhor você nem saber... Fica longe de mim. Fofoca não é comigo. Xiu! Xiu! minha boca é um túmulo. Por favor! Não me force!

-- Eu não tô forçando a nada, Juvenal.

-- Não?!

-- Mas quero saber. Faz de conta que é dia de Finados e abre esse túmulo aí.

-- Saiba que você me forçou! Conhece a secretária do Diretor? Dizem que os dois estavam de ham, ham e aí você sabe, ham daqui, ham de lá, a mulher dele chegou e tuf, tuf... É isso. Agora zíper na boca. Tem uma fita gomada aí? Serve este grampeador (clack, clack)...

-- Ham, ham, tuf, tuf?! Me conta!

-- Nhannanhamnanham...

A verdade é que se há fofoca é porque tem quem as consuma. Fica difícil diferenciar quem é mais nocivo: se quem produz a fofoca ou quem é seu usuário.

“A língua só tem 8 centímetros de comprimento, mas consegue matar um homem de dois metros de altura.” (Provérbio Japonês)

José Feliciano - Médico de bisturi sem uso e conversa afiada.