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Bodas de diamante

24 de Setembro de 2019 às 00:01

Bodas de diamante Crédito da foto: Acervo Pessoal

Vanderlei Testa

O amor no casamento não tem idade para celebrar. Vale pra vida toda. Seja um ano de casado ou 75 anos, como é o caso da Aurora Tezzoto Belini e do Eugênio Bellini. Calculei os dias. Foram 365 dias vezes 75. Deu no total a generosa marca de 27.375 dias e, em horas, 657 mil. Isso mesmo! Eles estão casados com a alegria de terem conquistado um sentimento diário nesse tempo incrível de amor conjugal. Se é orgulho para os filhos, imagine para eles que um dia distante em 30 de setembro de 1944, em plena Guerra Mundial, subiram ao altar da Igreja Matriz de Tietê para darem o sim eterno. Namorados naquela época eram muito bem educados na sua formação familiar para o matrimônio, onde não havia contato pessoal de beijos e abraços em locais públicos. O olhar brilhante dos jovens enamorados acontecia nas idas que faziam para os seus pais aos armazéns da vizinhança da roça, nos bailinhos e até nos jogos de futebol nos campinhos da comunidade.

Abrimos aqui uma história dos recém-casados Aurora e Eugênio no nascimento do primeiro filho Pedro nascido em Tietê. Com as dores do parto da Aurora, o jovem Eugênio pediu à sua tia Ermelinda para ela ir buscar a parteira. Com sua charrete pronta em minutos com o cavalo “Herói”, a tia foi buscar a parteira na escuridão da noite em longos quilômetros de distância da sua casa. Chegando à casa da parteira depois de quase uma hora, o marido atendeu na porta de sua casa e não autorizou sua esposa sair para fazer o parto devido o horário tarde da noite. Imagino a decepção e desespero da tia Ermelinda, pensando na sobrinha com as dores daquele momento inesquecível da sua vida. Sem outra opção de parteira, retornou de imediato com a sua charrete à casa da Aurora. Resultado: A própria tia Ermelinda acabou por fazer o parto, sem nunca ter realizado esse procedimento. Até hoje a Aurora agradece à Nossa Senhora do Bom Parto pela vida do filho Pedro que nasceu com saúde naquele dia repleto de emoções.

A mocinha Aurora, o mocinho Eugênio e o menino Pedro, das ruas empoeiradas da cidade de Tietê, terra do poeta Cornélio Pires, vieram para Sorocaba em 1946 indo morar com os pais na rua Olavo Bilac, Vila Santana. Vamos imaginá-los passeando na poesia desses anos da década de 40 na cidade de Sorocaba de antigamente. Carroças, bondes e os operários caminhando a pé ao trabalho nas fábricas de tecidos da cidade. Foi na fábrica de macarrão Campanini que o Eugênio arranjou o primeiro emprego. A Catedral com a praça central cheia de romeiros em dias de romaria de Nossa Senhora Aparecida contava com a presença de Aurora e Eugênio que iam a pé até a Aparecidinha. Os apitos da Estrada de Ferro Sorocabana com seu som acordando os ferroviários que moravam na sua maioria no bairro Além-Linha dava ao Eugênio o desejo de trabalhar na ferrovia. Com o sonho realizado, Eugênio foi trabalhar na Estrada de Ferro Sorocabana (Fepasa), enquanto a esposa lavava e passava roupas à vizinhança para ajudar no sustento do lar. Agora, já aposentado da ferrovia, Eugênio vê com tristeza o abandono das oficinas onde dedicou a sua vida profissional. O Eugênio gostava de futebol e participava como torcedor do Campeonato Citadino em 1950, onde o São Bento e o Estrada eram os principais times da cidade. Torcedor do São Bento continua acompanhando o time da sua casa na rua Ubirajara ouvindo os jogos pela rádio.

O livro “A mística do instante”, escrito pelo José Tolentino Mendonça, traz na capa as palavras “O tempo e a promessa”. Tolentino é sacerdote e um dos pregadores escolhidos pelo Papa Francisco para estar ao seu lado no Vaticano. No dia 1º de setembro de 2019 foi nomeado Cardeal. Sábio, o português Tolentino diz na obra: “que você ama aquele que verdadeiramente escuta você”. Ele enfatiza que o sentido da escuta tem a ver com prontidão. Essa filosofia do autor se aplica na vida conjugal de Aurora e Eugênio nestes 75 anos do sacramento do matrimônio. Eles construíram a vida no alicerce do diálogo e no amor para estarem celebrando as bodas de diamante. A filha Nanci Bellini Martins fala de seus pais em nome de seus irmãos com o orgulho de ter aprendido deles tudo aquilo que precisava para seguir os seus passos. O diálogo, compreensão, honestidade, amizade, carinho, afeto, ética, trabalho, desafios e tudo o mais que poderia ter de uma família constituída no amor é o legado que todos recebemos. Conheço a Nanci e seu marido Carlos há mais de 35 anos e testemunho que eles seguem a filosofia dos pais e sogros. Em dezembro completam 43 anos de casados.

É nessa linha de diálogo, prontidão e busca da convivência de sentimentos de partilha que Aurora e Eugênio viajaram muito, passearam de mãos dadas, se beijaram, e sentaram à noite na varanda da casa rodeados de filhos, netos e bisnetos para apreciar a mesma lua cheia brilhando do dia de seu casamento. Foram os sonhos de 1944 que chegam agora em 30 de setembro de 2019 fortalecidos pelas alianças da espiritualidade conjugal na festa preparada com orações, bolo e champanhe para brindar os 75 anos com alegria. Esse dom maravilhoso que as gerações de cinco filhos -- Pedro, Leni, Nanci, Antonio Eugênio e Nilsa --, oito netos e sete bisnetos acreditam ser eterna para quem ama de verdade.

A vovó Aurora em 10 de outubro completa 93 anos e o vovô Eugênio tem 96 anos. Como católicos de missa e terço diário são almas gêmeas no amor a Deus com as graças de sua fé e, com certeza, continuarão unidos no paraíso no dia em que forem chamados a estar entre os filhos amados do Criador.

Vanderlei Testa, jornalista e publicitário escreve quinzenalmente no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta