Atchim! - Saúde!
Crédito da foto: Luca Sola / AFP
Edgard Steffen
Deixar de saudar quem espirrasse era grave descortesia.
(Das crendices doutrora)
Pelo espirro, acreditava-se que a alma pudesse sair do corpo e o coração parar de bater. Dessa crendice teria nascido a interjeição “saúde!” Se non è vero, è ben trovato*, diriam. Em outra versão, o costume teria aparecido na Idade Média durante a pandemia de peste bubônica que liquidou 1/3 da população no mundo conhecido. Para quem adoecesse com bubões (tumores subcutâneos) havia esperança de cura. Quem adquirisse a forma pulmonar poderia chamar o tabelião e fazer o testamento. Talvez nem desse tempo. Como tosse e espirros fazem parte das doenças respiratórias, o voto “saúde!” (tomara que não seja forma pulmonar) viralizou. Há quem acredite que a saudação se reporte à gripe espanhola (1918).
O espirro é ato involuntário para defesa do organismo. Expulsa micróbios e substâncias retidas nos pelos e na mucosa nasal. As esternutações projetam partículas à velocidade de 160 km/hora. As mais pesadas caem logo ao chão enquanto as menores podem projetar-se num raio de 5 metros. Pensem nisso quando espirrarem. Vocês podem enviar seus germes diretamente para as mucosas de seus contatos. Ou para o chão e objetos do ambiente. Coloquem um lenço descartável ou, na falta dele, usem o braço -- nunca a mão! -- para evitar a contaminação do ambiente pelos micro-organismos que de carona viajam nas gotas e gotículas. A toda hora vemos gente educada pôr as mãos na frente da boca e nariz, para impedir que secreções nos atinjam; depois, educadamente, as estendem para nos cumprimentar. Germes, em condição de sombra e umidade, podem sobreviver por muitas horas no meio ambiente. Por isso, com ou sem epidemias, lavem as mãos após contato com pessoas e objetos. Lavem assim que entrarem em casa ou no local de trabalho. Na impossibilidade, usem álcool gel.
Em dados porcentuais a peste bubônica foi campeã absoluta do êxito letal. Em números absolutos a gripe pandêmica de 1918 detém, até hoje, o recorde dos enterramentos. Matou mais gente que as duas grandes guerras mundiais.
Parênteses. De propósito cometi dois anacronismos. Chamei morte de “êxito letal”, absurdo que fez parte do jargão médico. Felizmente caiu em desuso. Dizer que a interjeição “saúde” viralizou é qualificar um costume da Idade Média com neologismo internético. Faço estas observações para lembrar impropriedades comuns na linguagem médico-hospitalar e midiática. A vítima faleceu de parada cardíaca. Vocês já viram alguém morrer e o coração continuar batendo?... O estado de saúde de Fulano é estável. Existe estabilidade maior que a de um corpo no velório? Preocupam-me o novo coronavírus (batizado 2019-nCoV) e a epidemia global. O vírus provoca doença similar ao resfriado (febre baixa, coriza, espirros) ou parecida com a gripe (febre alta, tosse, dor de garganta).
Predominam os casos leves sobre os que desencadeiam a temível SARS**. Teve origem na região central da China, cidade de Wuhan. Casos de transmissão autóctone já aparecem em vários países da Ásia e Europa. Tudo indica que continuará se espalhando.
Só para lembrar. As pandemias históricas (peste, varíola) disseminavam-se ao ritmo da marcha a pé, a cavalo/camelo ou naus. A gripe espanhola levou meses a chegar no Brasil; chegou pelo navio a vapor que trazia imigrantes espanhóis. Os vírus de hoje, cruzam os céus a jato. Em pouco tempo o novo Corona estará por aqui. Por isso, deixo alguns conselhos. Não os inventei. Pincei-os em várias fontes.
Evite aglomerações desnecessárias. Procure ambientes bem ventilados. Rejeite contato com pessoas gripadas ou resfriadas. Evite pôr a mão nos olhos, nariz e boca. Não compartilhe copos, xícaras, talheres e objetos pessoais. Lave as mãos frequentemente com água e sabão (pelo menos por 20 segundos). Se lavar não for possível, use álcool-gel. Limpe e desinfete objetos muito manuseados.
Se você for espirrar, em vez de esperar que alguém diga “saúde!”, cubra seu nariz e boca com lenço descartável. E o descarte corretamente. Como bom cidadão, você porá seus germes no devido lugar.
(*) Se não é verdadeiro, é bem inventado.
(**) Severe Acute Respiratory Syndrome
Sorocaba, 06 de fevereiro de 2020
Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: [email protected]