As lições do Papa Francisco e do Maldonado
Crédito da foto: Arte montagem / VR
Vanderlei Testa
Depois da solenidade da Páscoa, hoje “vamos sonhar juntos”. É o título de recente livro do Papa Francisco. Escrito entre junho e agosto de 2020 no centro da pandemia da Covid-19. O livro mostra em linguagem simples algumas lições de vida do papa Francisco que servem a todos nós.
Assim começou a conversa do papa Francisco com o autor. “A pergunta que surge é se vamos sair desta crise? De que maneira? Nunca saímos de uma crise igual a que entramos. Agora é um momento de provação, como diz a Palavra Sagrada na Bíblia. Está nas páginas do Livro do Eclesiástico: atravessar o fogo para descrever tais provações, como o forno prova os vasos do oleiro”. E Francisco afirma, “a vida nos põe a prova”. É assim que crescemos.
A obra chama a atenção neste tempo da Covid-19. O papa Francisco, líder religioso católico de mais um bilhão de fiéis sentiu a desigualdade social e até a crueldade da humanidade em muitos locais, manifestada nesta pandemia. O que consolou Francisco são a resiliência, a generosidade e criatividade das milhões de pessoas que foram unidas na solidariedade. Posso testemunhar isso, aqui em Sorocaba, nas iniciativas das entidades, como a Fundação Ubaldino do Amaral (FUA), leigos e religiosos.
São pessoas transformando em prática diária as palavras do papa Francisco com seu trabalho social e humanista. Francisco afirma: “O pior que pode acontecer conosco neste momento é ficarmos nos olhando no espelho, enjoados de tanto rodarmos sem achar uma saída. Para sair do labirinto, é preciso deixar a cultura do selfie e ir ao encontro dos outros: olhar os olhos, os rostos, as mãos e as necessidades daqueles que nos rodeiam e assim também descobrir nosso rosto, nossas mãos cheias de possibilidades”. Olha que lição para aprendermos, amigos leitores,
A campanha “A fome não é fake” foi lançada pela Arquidiocese de Sorocaba com a parceria do Fundo Social de Solidariedade e entidades. Todas as paróquias sob a orientação de Dom Julio Endi Akamine, arcebispo metropolitano, estão engajadas na proposta de conseguirem cestas básicas de alimentos. A distribuição às famílias que passam por dificuldades neste momento é abrangente aos desempregados e àqueles que perderam os seus ganhos com o fechamento de suas microempresas. Há milhares de famílias nessas condições em Sorocaba e a ação da arquidiocese encontrou eco junto à população. Além das doações espontâneas, algumas entidades formaram grupos de doadores, como foi o caso do Conselho de Leigos e da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas-ADCE/ANSPAZ e Cefas. Entre todas as entidades participantes do #FOMENAOEFAKE, mais de 2.000 cestas já foram obtidas, com toneladas de alimentos às famílias. Como afirma Dom Julio: “É o momento das pessoas poderem colaborar e se unir para enfrentar uma situação que está se apresentando muito difícil”. Mais uma lição de vida.
Na arte da vida e na vida da arte, aprendemos a cada dia novas lições atuais e de quem já partiu. A família Maldonado Rodrigues foi uma vizinha no Jardim Saira. O Antonio Maldonado era professor de pintura. Foi um herói que passou pelo fogo das provações com a sua enfermidade de hemofílico. Na verdade, um hemofílico que venceu as provações. Ele deixou muitas lições de vida. Filho de lavradores emigrantes espanhóis. Desde que nasceu como portador de hemofilia- deficiência do fator de coagulação do sangue- os seus pais tiveram a intuição de saírem do sitio e morar na cidade. Os três irmãos do Antonio também eram hemofílicos e seguiram o mesmo testemunho de ajudar o próximo.
O artista plástico Maldonado como ficou conhecido, foi um vencedor e ser humano incrível. Produziu mais de mil e quinhentos quadros, hoje espalhados em todo o Brasil. Na minha casa há uma obra dele que me faz “viajar pela paz da paisagem”. Neste artigo ilustro com quadro do Antonio Maldonado. Como professor de pintura ajudou muitos alunos ao lado de sua filha Daniela Maldonado, também artista plástica. O seu primeiro livro “O Hemofílico que Venceu”, relata a sua vida e é uma fonte de esperança aos enfermos, deprimidos e desmotivados com a vida.
Maldonado nasceu em três de janeiro de 1937. Desde criança os seus pais notavam que ao bater os braços e pernas formava um hematoma. Quando havia sangramento era difícil controlar a hemorragia. Estava aí o diagnóstico da hemofilia dado pelos médicos na época. Para ir à escola no curso primário no bairro Monte Verde, a três quilômetros da sua casa, a professora dona Rosa dava carona em seu cavalo. A escola ficava em Brigadeiro Tobias em meio a um caminho de mata fechada.
Quando a família do Antonio Maldonado veio morar em Sorocaba a sua vida mudou muito pela proximidade dos recursos médicos e de transportes. Agora os filhos do Antonio e Rosália iam à escola de bonde. Sua trajetória nas artes plásticas foi inspirada pelo irmão Miguel que frequentava uma escola de pintura em óleo. Antonio Maldonado tinha 17 anos. O resultado é que até o final da sua vida, mesmo em cadeira de rodas, continuou com a sua arte exposta em ateliês e locais expressivos do Brasil.
Um hemofílico vencedor na arte e no ensinar como valorizar o dom da vida que recebeu de Deus. Antonio Maldonado Rodrigues foi bem aquilo que o Papa Francisco afirmou no seu livro: “para sairmos melhores desta crise, precisamos sonhar e ousar”. Maldonado não vive mais neste tempo da pandemia, mas deixou um legado de amor, sonhos e ousadia à sociedade. A vida é um aprendizado. Encerro com a frase marcante do papa Francisco que ecoa na minha mente: “Este é um momento de reavaliarmos as nossas prioridades, o que valorizamos e o que queremos. O que buscamos. É hora de nos comprometermos com as pequenas coisas e de atuarmos para transformar em realidade o que sonhamos”. A celebração da Páscoa nos mostrou um Cristo ressuscitado que vive em cada um de nós com o dom da imortalidade.
Vanderlei Testa -- jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul. Comentários:[email protected]