Crédito da foto: Arquivo JCS

Vanderlei Testa

Estava olhando o céu na noite de lua cheia na última semana. Vi a beleza das estrelas do Cruzeiro do Sul, a menor das constelações, e uma das mais importantes consideradas no hemisfério Sul, entre as 88 constelações reconhecidas pela União Astronômica Internacional. Em uma noite de 1903 essas estrelas brilharam mais forte no céu. Aqui na Terra, mais especificamente em Sorocaba, iluminou a inspiração de talentosos pensadores. Criar um jornal impresso. Imagino naqueles tempos os desafios a serem superados. E aconteceu a “duras penas” como se diz aos bandeirantes daquela época. Com o tempo esse milagre se transformou em uma Fundação que faz a gestão atual do jornal. O prédio que existia na rua São Bento é a imagem que ilustra o artigo. É de 1975. Desconheço o fotógrafo que a clicou, mas, me fez relembrar a primeira vez que entrei naquela porta de acesso à redação. Exatamente em 1974.

Em janeiro de 1973, depois de formado na faculdade, fui admitido na Siderúrgica Aparecida. Em 1974 editei uma edição especial do jornal da empresa. O destaque seria uma inauguração de equipamento laminador importado da Itália. A sugestão de imprimir na rotativa do Cruzeiro do Sul foi aceita pela diretoria da empresa. A proposta de impressão em tamanho tabloide e colorido era o máximo. Sem experiência nesse novo formato e um número de páginas nunca escrito anteriormente por mim, resultou em um dos mais impactantes jornais dos 15 anos que o editei. O fotógrafo Álvaro Zalla, brilhante profissional que trabalhava no Cruzeiro clicou a imagem da capa. Guardo um exemplar como relíquia. O historiador Aluísio de Almeida, pseudônimo do monsenhor Castanho chegou a escrever uma carta comentando essa edição histórica. Doei a carta ao Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Sorocaba. Entro aqui num fato relatado pelo diretor da Aparecida João Batista Castanho, sobrinho do padre que é um dos mais destacados historiadores de Sorocaba e do Brasil. Ele relatou em seu livro que num determinado dia alguns diretores do Jornal Cruzeiro do Sul foram até o casarão do Monsenhor Castanho. O objetivo era solicitar a ele alguma sugestão de nome que seria o patrono da Fundação que a Loja Maçônica Perseverança III estaria homenageando em seus estatutos. Seu tio, Monsenhor Castanho pediu alguns dias para responder, pois precisava pensar e pesquisar. Tendo a sua inspiração definida, contou-me o sobrinho que o tio sugeriu o nome de “Ubaldino do Amaral”. Acabou sendo aceita e até hoje, desde junho de 1965, nas edições destes 117 anos do jornal encontramos estampado o logotipo da FUA -- Fundação Ubaldino do Amaral -- ao lado das estrelas do Cruzeiro. Junto, a frase: “Cremos em Deus e na família”.

Nestes 46 anos, desde aquele dia na redação em 1974, conheci centenas de pessoas, entre diretores e jornalistas que contribuíram muito na consolidação destes 117 anos do jornal. Incluo aqui o Wilson Rossi, com 37 anos de atividades na área comercial e um dos excelentes profissionais de Sorocaba.

Os leitores e colaboradores do Jornal Cruzeiro do Sul são as estrelas de sua identidade visual. Esta semana encontrei uma imagem na rede social “Grupo Além Ponte Sorocaba”, do Facebook, publicada pelo Luiz Scarpa. A imagem do casarão do Jornal Cruzeiro do Sul e as lembranças da Rádio PRD-7 no piso superior da rua São Bento. Fui ler os comentários pela identificação que tenho com aquele prédio e suas histórias. Essas reminiscências são emocionantes vindas de antigos colaboradores. Verdadeiras declarações de sentimentos de amor ao jornal. E foi daí que pensei em citar alguns dos depoimentos, como uma homenagem àqueles que tornaram possível a existência do jornal e aos leitores que nos incentivam a escrever os artigos todas as semanas.

Antônio Carina Siqueira conta que entregava o jornal nas casas dos sorocabanos em 1963. Disse que eram 153 exemplares naquela época que saiam das suas mãos até os leitores. E se orgulhava muito de estar fazendo essa atividade. O primeiro jornal deixava no Bar São José na rua Nogueira Martins e o último exemplar na rua Teresa Lopes, no bairro do Além Ponte. Sobre os colaboradores do Cruzeiro, Siqueira recorda com carinho do encarregado da distribuição Odair Sanson. José Nilton Vieira deixou a sua mensagem que frequentava o prédio para ver a Rádio PRD-7, em uma das salas do prédio do jornal, onde o seu amigo Gabriel Castanho Neto exercia a função de técnico de som nas novelas transmitidas ao vivo da emissora.

Jobbs José é um dos leitores que revive as recordações dos tempos em que dobrava os jornais para entregar nos anos de 1966 até 1969. Sua afirmação de “amava tudo isso com diversão” é um ato de mais de 50 anos de admiração ao Cruzeiro do Sul. Helena Santos, Graça Justino Sampaio, Iremos Nardi, são alguns do colaboradores dos anos 70 que lembram detalhes. O Nardi fazia a perfuração dos textos da redação. Trabalhava no período noturno para que o jornal estivesse impresso e distribuído na manhã seguinte. Entre os fatos curiosos, José Carlos de Almeida, um dos entregadores do jornal, conta do encarregado Pegoreti e das suas broncas na Alzira “Sucuri”, folclórica moradora da cidade. Todos os dias ela passava sentada nos degraus da entrada do prédio do jornal, brincando com suas bonecas, e quase sempre com um véu de noiva na cabeça.

O que poderia ser uma olhada nas estrelas no céu e de imagem na rede social, acabou por ser a inspiração destas palavras que escrevo com saudade daquele meu primeiro dia em 1974 que conversei com o editor Sergio Coelho de Oliveira. Nascia ali uma história da minha vida profissional como jornalista. Isso me faz relembrar as máquinas de datilografia “Remington” e suas estrelas de redatores naquela sala da rua São Bento escrevendo o Cruzeiro do Sul de cada dia nestes 117 anos.

Vanderlei Testa jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta