‘As duas Irenes’, no Cine Reflexão
“As duas Irenes”: dramas familiares e da adolescência. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
Como o próprio nome indica, “As duas Irenes” tem duas personagens homônimas. A fim de facilitar as coisas para o leitor e para quem escreve, à Irene protagonista chamarei simplesmente Irene. Ela é uma adolescente de treze anos de idade que descobre que o pai, Tonico, mantém um caso extraconjugal com uma costureira e que tem uma filha adulterina dessa relação; essa filha também tem treze anos e também se chama Irene. Será identificada aqui como Outra Irene.
Apresentando-se como Madalena, Irene, passa a frequentar regularmente a casa da segunda família do pai sob o falso pretexto de necessitar dos serviços da costureira. Conhece assim a Outra Irene. As duas Irenes são muito diferentes uma da outra, até mesmo fisicamente. Irene é mais acanhada e contida nas manifestações amorosas, enquanto a Outra Irene é extrovertida, namoradeira, sexualmente mais agressiva. Mas, as duas se complementam em vários aspectos e entre elas cria-se uma amizade sincera e uma relação de cumplicidade em assuntos próprios da idade, que faz que sussurrem com risinhos ladinos uma ao ouvido da outra.
O filme conta duas histórias simultaneamente: a primeira é a da gradual descoberta da existência da segunda família do pai por parte de Irene; é uma espécie de suspense que faz o espectador aguardar que alguma coisa de grave irromperá quando o adultério de Tonico vier a ser descoberto. A segunda história é a da vivência, por Irene, da conturbada fase da adolescência, marcada por transformações físicas profundas, pressão do grupo de convívio para o apressamento da prática de experiências sensuais, novas situações que podem gerar desproteção, medo e insegurança etc. Como é comum nessa fase, a relação de Irene com a família é conturbada; ela é a filha do meio e a atenção materna concentra-se nas outras duas; por isso, padece de todos os problemas que o desamor e o distanciamento materno provocam.
Cada uma dessas histórias poderia originar um filme independente: o primeiro, sobre a família e suas vicissitudes de vários tipos; o segundo, sobre a difícil entrada para a vida adulta. Quem se propõe a escrever sobre “As duas Irenes” deve pensar em uma interpretação geral que junte as duas histórias e que leve em conta o momento histórico em que o filme transcorre. A ausência de televisão e as canções executadas pela dupla sertaneja Cascatinha e Inhana possibilitam situar a trama na década de 1950 ou começo de 60. O filme não contém elementos concretos para efetuar com segurança a interpretação das duas histórias em conjunto e vinculá-las com a época em que os fatos ocorrem. O que se pode inferir é que Irene vive, já na década de 50, as grandes mudanças que marcariam a década seguinte no Ocidente, em que se extinguiu a figura do pai autoritário, a estrutura familiar se modificou e ocorreu a remoção do tabu da virgindade. É um período da História em que paternidade e moral sexual tradicionais foram questionadas e radicalmente alteradas.
Serviço
Cine Reflexão
“As duas Irenes”, de Fábio Meira
Hoje às 19h
Sala Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73)
Entrada gratuita