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As despedidas rumo à eternidade de Eno Lippi

28 de Abril de 2020 às 00:01

As despedidas rumo à eternidade de Eno Lippi Crédito da foto: Vanderlei Testa

Vanderlei Testa

Quinta-feira, 23 de abril. Fim de tarde. Vou começar a escrever algumas breves histórias para o artigo desta terça-feira. Chega uma mensagem. Paro e vou ler. É o aviso do falecimento do pai do amigo Vitor Lippi, o médico Eno, vítima do novo coronavírus. Tinha 87 anos. Estava junto com a sua esposa, dona Volda, que continua internada no hospital. Ele não suportou esse terrível vírus. Olho para a foto em meu arquivo do pai Eno e do filho Vitor sorrindo. Fico a pensar como é triste perder alguém querido. Numa situação como essa que estamos vivendo, nem a despedida pode ser feita pelos amigos. Caberá conforme regras exigentes pelos governantes, apenas duas horas de velório e restrito aos mais chegados da família. Milhares de contaminados no Brasil e milhões no mundo passam por este momento. Olho à frente. A televisão está ligada na Canção Nova enquanto escrevo. Começando a missa das 16 h. O padre inicia a celebração orando pelas almas. Penso no Eno e intercedo junto com as citações do sacerdote para que ele seja colocado nas mãos divinas. É preciso ter fé e confiar. Sem isso nada tem sentido. O material que conquistamos passa e corrói e o espiritual fica eternamente. Acredito no mistério da ressurreição.

Mudei completamente o foco do que iria escrever como artigo nesta semana. Um dia conheci mais de perto o Vitor, há pelo menos uns 20 anos. Ficamos amigos. Sua esposa Denise também. O vejo como ser humano, pai, filho, amigo, numa realidade familiar igual a você, a mim, a quem queremos bem. A dor e a saudade não escolhe profissão, cargo ou condição social. Somos seres humanos abençoados com o Deus da Misericórdia. Não acompanhei a vida do doutor Eno. Mas ele como toda criança, engatinhou, deu seus primeiros passinhos. Caiu e se levantou. Foi carregado no ventre da sua mãe. Amamentou e arrotou. Chorou e deu suas risadinhas. Foi crescendo e ganhando estatura de menino. Seguiu caminhos de garoto na escolha de seus amiguinhos. Muitos deles ainda vivos devem estar pensando agora no Eno, na vizinhança de casa, escola e nas brincadeiras de ruas. E como todos nós, o Eno sonhou e buscou suas realizações. Conheceu a Volda, sua namorada, esposa, mãe e avó. Enfrentou dificuldades e buscou na medicina o seu objetivo profissional. Passou noites e madrugadas acordado para conquistar seu diploma. Foi à luta e venceu. Chegou aos 87 anos com o amor maior da família. Uma riqueza não guardada em caixas fortes, mas no coração da esposa e dos filhos e netos. Seu filho Vitor seguiu o roteiro do pai e na mesma missão de salvar vidas. E agora num adeus simples e singelo teve como olhar, lágrima, emoção, conversa consigo mesmo no íntimo da alma, as palavras “obrigado papai por ser meu pai e deixar o seu legado do amor em nossa família”.

E na sexta-feira, 24 de abril, mais um comunicado da partida de dona Lilia Nóvoa Gomes, mãe da Denise Lippi e sogra do Vitor Lippi. Perder um pai e a sogra tão querida na sua família, um avó amada dos netos, deixou uma segunda perda em 24 horas que jamais eles esperavam acontecer neste tempo difícil de pandemia. E para apertar mais o coração a mãe do Vitor, a senhora Volda encontra-se internada em UTI. Minha amiga Rose Maria Del Rosário Carmem Mola Ribe Pucci, amiga de infância da família Lippi, na cidade de Alumínio, onde moravam vizinhos, com tristeza e orações, me contou que eles sempre foram solidários e cristãos em suas vidas. O Eno e a Volda eram muitos amigos de seus pais, relatou a Rose. Na notícia do falecimento do médico Eno Lippi, publicada no jornal Cruzeiro do Sul do dia 24, um destaque da sua prática de vida chamou a atenção: “foi médico da empresa CBA e era conhecido como o profissional da saúde que atendia em residências, antes da formatação do Sistema Único da Saúde-SUS”. Portanto, um verdadeiro médico da família que sentava na cama ao lado do paciente e tomava café na cozinha com aqueles que o chamavam.

E o padre encerrou a missa dizendo sobre o testemunho de vida. As pessoas devem dar testemunho de ações de amor ao próximo. Viver o processo de conversão. A conversão nasce do alto e não da terra. E o médico Eno Lippi testemunhou com dignidade o atendimento cristão a milhares de pacientes. As mensagens publicadas de condolências com palavras de solidariedade através da rede social do filho Vitor e as publicadas na imprensa comprovam a gratidão das pessoas. “Amar uns aos outros, assim como Eu vos amei”. Ele seguiu essas palavras de Jesus.

Deixei para encerrar o artigo na tarde de sexta, dia 24. Às 15 h a Rede Vida transmitia do Vaticano na Casa suas palavras da homilia e entre seus ensinamentos, as citações: “Jesus falava horas e horas e as pessoas ouviam. Ele gostava da proximidade com o povo. Lembrou-se das crianças que o buscavam e sempre estava acolhendo os pequeninos. Jesus defendia a proximidade com as pessoas. Atitude pastoral em acolher. Um gesto concreto do pastor com suas ovelhas. Dai-vos mesmo a Santa Marta a missa do papa Francisco. Fiquei ouvindo consolação aos pobres, dizia Jesus aos seus seguidores. O coração da pessoa é o mais importante. Não devemos ter medo de estar próximos do outro, nosso semelhante”. Fiz questão de registrar esses fatos no artigo, como uma manifestação à vida da professora Lilia Nóvoa em sua dedicação de educar e ao Eno Lippi no atendimento domiciliar. Como diz uma frase: “os filhos de Deus nascem para a vida eterna”. E a dona Lilia e o Eno Lippi estão pela fé de ambos, rumo à eternidade.

Vanderlei Testa jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogdovanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta