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Dia dos Pais

11 de Agosto de 2019 às 00:01

Homenageio os pais, partilhando uma carta ao meu pai, falecido em 1998.

Querido pai, há alguns meses você tinha completado 59 anos e você achou melhor partir para celebrar a festa em outro lugar, para uma companhia mais festiva. Para nós ficou a pergunta: por que tão cedo? Havia tanta coisa ainda para experimentar: ver os filhos amadurecerem e orgulhar-se de suas pequenas conquistas; ver a netinha ir para a escola, tornar-se jovem e, quem sabe, mulher feita; envelhecer junto com a mãe; acolher com serenidade as rugas que o tempo iria formando nela e em si mesmo; estar ao lado dela, como era seu costume há 36 anos, nos momentos bons e maus do casamento; aproveitar o tempo livre para ler os livros comprados há tanto tempo com um bom propósito e depois abandonados ao pó, envoltos no plástico em que foram adquiridos, como uma longa e muda reprovação.

Você não falava muito de seus projetos e sonhos, preferia viver um dia de cada vez sem fazer depender demais a felicidade pessoal de planos que nem sempre são os nossos. Sua partida parece ter interrompido este ciclo de pequenas alegrias. Afinal, a vida, no início, foi tão dura! Posso testemunhar que minhas recordações mais vivas da infância continuam a ser a das vigílias nos hospitais por causa de minha doença crônica, das dificuldades econômicas, da fadiga pelas horas extras no trabalho. Os tempos difíceis foram certamente marcados por raiva e medo, mas, considerando agora aqueles anos, as amarguras se aliviam.

Sua morte foi para mim um momento de revelação. Passamos a vida sem perceber os fatos mais evidentes, os traços mais claros das pessoas que amamos. No escritório em que você trabalhou pude perceber que tinha conquistado o respeito de subalternos e superiores. Recolhi os objetos de sua mesa, li um por um os cartões que os funcionários entregavam nas ocasiões das festas, vi as fotos da festa de 30 anos de serviço na mesma empresa. Tudo isso me fez perguntar: quem é este, tão respeitado como profissional e como pessoa? Quantas descobertas devo ainda fazer?

Todas essas coisas parecem ter ficado para trás, os laços com a pessoa amada, rompidos. A morte é uma experiência dilacerante: parece cortar as relações e arrancar sem piedade do convívio.

Mais uma vez você nos ensina que amar a vida e morrer não se excluem reciprocamente. Amar a vida significa cultivar o desejo de que a vida seja eterna e que a relação com as pessoas amadas não se interrompa jamais. Assim também os prazeres da vida que nós lamentamos terem sido negados pela sua morte: as alegrias desta vida não passam de pálidos acenos da alegria plena da vida eterna com Deus. Eles nos são concedidos pelo próprio Deus para que nos lembremos da felicidade sem fim, da alegria duradoura, do amor sem fronteiras que encontramos nEle. Você foi para Ele. Sofremos com sua partida, mas não queremos retê-lo mais entre nós, pois sabemos que agora você pertence totalmente a Ele.

Agora que você está festejando no paraíso, você sorri, às vezes, dos medos e complicações com que mantemos afastado da mente o pensamento da morte e tornamos difícil, com muitas reticências e indiferença, os momentos da doença.

Quando nós, sua família e parentes, com uma fidelidade que o comove, vamos levar flores frescas para a sua tumba, você gostaria de agradecer por tanto afeto e dar alguns conselhos para nos ajudar a viver melhor. Mas já que é tão difícil que nós, que ainda vivemos sobre a terra, entendamos aqueles que estão no céu, você acha mais eficaz unir-se ao canto de louvor que entoa a comunhão dos santos.

Pai nosso, louvor, glória, ação de graças a ti, que és infinitamente santo e bom: graças pela vida que nos doas, pelas pessoas que nos querem bem, pela atenção de tua Igreja para com aqueles que sofrem, que estão sós, que morrem. Infunde a tua luz na complicada existência dos homens: dá a eles um coração grande para hospedar a esperança para a qual nos chamas; dá uma fé simples para que saibam vigiar na esperança do encontro contigo. Amém.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.