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“Apelo à população”. A irrupção

08 de Maio de 2020 às 00:01

Paulo Celso da Silva

O título acima não é uma chamada de hoje. Foi usado pelos estudantes de Nanterre, França, nos panfletos entregues nas portas das fábricas e nos quais solicitavam a solidariedade da classe operária para os estudantes detidos nas manifestações de maio de 1968. “A juventude se revolta contra os encolhedores de cabeça”, afirmava Jacques Berque, em uma mesa-redonda que tentava entender os acontecimentos daquele ano. Isso porque a irrupção partia dos estudantes, e não dos partidos políticos ou dos sindicatos.

Contudo, o destaque maior são os estudantes que colocam em mutação teorias, conceitos e práticas, intimidando os “encolhedores de cabeça” e chamando outros agentes sociais para apoiá-los. E os grandes mestres franceses sabem disso.

Não é a idade o que define a juventude, mas uma “relação com o mundo” e isso não depende da idade, diria Berque. “Esta juventude procura e talvez traz uma nova maneira de viver. Esses jovens atravessaram o enfadonho romantismo iê-iê-iê; superam-no e vão em direção a um romantismo revolucionário, sem teoria, mas atuante”, afirmava Lefebvre. Essa juventude quer outra coisa, não as reivindicações das gerações anteriores baseadas no econômico, na aquisição de bens de consumo.

O viver é contraditório e, portanto, não é linear. Enquanto a juventude francesa apelava pelo apoio dos operários para sua causa - transformar o ensino e a sociedade, na Alemanha, a juventude, ao invadir a gráfica de um jornal berlinense, foi confrontada pelos próprios operários que eram hostis às manifestações dos estudantes em geral. Nos Estados Unidos, as manifestações dos operários estavam baseadas nos sindicatos, e a juventude universitária reunia-se em movimentos próprios. No Brasil, a juventude enfrenta a ditadura como pode e, no final desse ano, o AI-5 fixa a opressão sem precedentes, levando muitos para a irrupção armada.

Os movimentos estudantis em todo o mundo mantiveram uma coerência interna na qual ficava nítido o desprezo pela hierarquia e centralização, tanto exigidas por partidos políticos para apoiá-los; a importância dos movimentos espontâneos que muitas vezes demonstram opiniões contrárias e contraditórias com os demais; e a total falta de formalismo, analisava Birnbaum. E nada disso interessava nem para os partidos da direita e nem de esquerda. E como lembra o mesmo autor estadunidense, “o conservantismo só pode sobreviver se tiver alguma coisa a conservar”.

E boa parte daquela juventude universitária mundial dos anos 1960 não tinha nada de conservador e nem queria conservar nada como estava, e via a situação social, educacional, ética muito aquém do ideal. Diferentemente, uma parcela grande de adultos e conservadores, para quem a vitória dos vietnamitas contra os EUA era “uma afronta infligida contra a dignidade nacional [estadunidense] e uma reviravolta na escala dos valores morais do universo”, aceitava a repressão como forma de garantir a ordem.

Até hoje, estudantes não são considerados “setores fortes da sociedade”. Uma vez que já são trabalhadores intelectuais, mas sua produção eles não podem oferecer por não haver terminado os estudos ou, quando terminado é, na maioria dos casos, pouco valorizada. Ou seja, fortes são aqueles ligados apenas a certos setores da economia.

Naqueles dias de 1968, conforme indicou Frédéric Bon, os meios de comunicação de massa tv, rádio, grande imprensa escrita , que sempre foram acusados pela “despolitização das massas”, serviram para mobilizar a sociedade. Sim, leitor, são mais de 50 anos daquele ano e de todas as transformações que advieram da irrupção iniciada pelos estudantes.

Paulo Celso da Silva, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Uniso, doutor em Geografia Humana. E-mail: [email protected].