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Anarquia

10 de Julho de 2020 às 00:01

Cladis Sanches Lopes

Dia desses, eu conversava com dois outros colegas advogados, que de forma acalorada discutiam sobre a anarquia que, segundo eles, reina, atualmente, no país, já que os três poderes, ditos harmônicos entre si, não se entendem e, às vezes, se contrapõem, criando óbices de toda ordem.

Dizia um deles que a balbúrdia assola a nação, em todos os seus cantos, dados os acontecimentos escabrosos, nefastos, horripilantes, espelhados pelos mensalões, petrolão, petrodólares, corrupções, ladroagens, caixas dois, cartéis, enriquecimentos ilícitos, tudo sob a mira dos detentores do poder, que, segundo eles, desconhecem esses fatos, agindo, alguns deles, como verdadeiros lunfardos, senão omissos.

Dizia o outro que há um exagero nessas pontuações, e que tudo isso se deve, verdadeiramente, à anarquia perpetrada e aceita pelos governantes de plantão e inatacada pelas autoridades constituídas, a quem compete por cobro a tudo isso, mas assim não o fazem.

Em dado momento, ambos concordaram que, efetivamente, há, essa anarquia nacional, e que não será fácil recompor as coisas nos seus devidos lugares, nem, tampouco, acabar com todos esses atos, já que de há muito permeiam e estão arraigados na vida brasileira, de onde se torna difícil extirpar, arguindo um deles que, atualmente, a Lava Jato, enfraquecida que está, tende a desaparecer.

Novamente, afirmou um deles que uma ex-autoridade pública, de renomada, falou em utopia partidária, olvidada que foi pelos seus próceres, sendo isso a base de toda essa anarquia pública e agravada, ainda mais, por toda essa bandalheira que assola a nação.

Pois bem. Resolvi meditar sobre tudo isso e fui buscar a origem da palavra anarquia: “é a ausência de governo”. Etimologicamente, vem do grego “anarkhos”, em que “an” significa ausência e “arkhe” significa soberania ou reino ou poder. Decomposta, essa palavra significa ausência de governo ou de poder; diferente, portanto, da conotação que se deu a ela, no decorrer das discussões, como sendo bagunça, desordem, bandalheira e outros quejandos.

Li alhures que “o governo é ruim porque perpetua a dependência e a ignorância” (sic). Porém, da ausência do governo pode vir o caos, a desordem, a bagunça. Há, portanto, uma correlação entre a anarquia aventada pelos brilhantes causídicos e a falta de governo, que a possa obstar.

Da anarquia surgiu o anarquismo. O anarquismo autêntico admite a ideia da existência da sociedade, mas, segundo sua ótica, a sociedade se evidencia e cresce, quando se considera a abolição do Estado, entendido este como nação juridicamente organizada.

Pelo simples fato de que, embora os poderes constitucionais sejam, de direito, independentes e harmônicos entre si, de fato isso não ocorre, já que o Poder Judiciário tenta, constantemente, açambarcar os outros dois, quais sejam o Legislativo e o Executivo, reinando, assim, impoluto e inatacável; evidente que isso implica em custos, facilidades, benesses de todos, já, conhecidos.

De lembrar, também, que o anarquismo não exclui, necessariamente, a democracia. Ambos coexistem, na medida em que os que detêm o poder não tentem usurpar deles, encaminhando-se para o absolutismo, quando um dos poderes, normalmente o Executivo, assume o controle dos outros dois, por qualquer meio e forma.

O que será do direito no sistema de governo anárquico? E as leis, como serão? Estas, não serão criadas para atender a vontade da maioria , mas sim a vontade daqueles que detêm o poder; aquele, será, sem dúvida, o não-direito, dadas a inutilidade e perniciosidade das leis.

O anarquismo privilegia o sistema coletivo e público dos meios de produção, sem autoridade. Por consequência, o direito à propriedade é um roubo, já que a propriedade privada constitui-se na base da desigualdade entre os seres humanos.

Afinal, é de se questionar qual o tipo de anarquia que os nobres e probos causídicos estavam discutindo, a da bagunça nacional, ou a da inexistência do governo ou sua centralização num só poder?

É, pois, de meditar, também, sobre isso, à luz dos acontecimentos atuais que, indubitavelmente, estão colocando em risco a consistência do decantado Estado Democrático de Direito, ou mesmo a própria democracia.

Cladis Sanches Lopes é advogado, escritor e professor universitário.