‘Ana e os lobos’ encerra série de filmes espanhóis
Ana (Geraldine Chaplin) faz vir à tona as entranhas de uma família respeitada. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
A rígida censura a que foi submetido o cinema espanhol, durante as quase quatro décadas que durou o regime ditatorial fascista comandado por Francisco Franco, levou diretores como Carlos Saura a lançar mão de alegorias para discorrer sobre a condição social da Espanha. As estratégias narrativas utilizadas por Saura nos seus filmes conseguiram, às vezes com dificuldades, iludir os censores repressivos, graças ao emprego de recursos criativos, às vezes surreais e cômicos. Esse é o caso de “Ana e os lobos, de 1973, um dos filmes de Saura produzidos antes da morte do ditador, em 1975.
A protagonista do filme é Ana, uma americana que se dirige a um casarão da área rural espanhola, para trabalhar como educadora de três meninas. Na casa residem uma família e serviçais. A matriarca envelhecida da família está sempre de mau humor, insulta as criadas, sustenta que antes da guerra a vida era melhor; não consegue se locomover, é sempre levada pela criadagem ou parentes de um lugar a outro, mas sabe tudo o que se passa na casa. Sofre de ataques convulsivos, durante os quais grita assustadoramente.
Ela tem três filhos, dos quais o preferido é Fernando, um místico que vive como eremita em uma caverna e que evoca a suspensão dos sentidos da realidade fisiológica por meio de concentração, renúncia e mortificação; justifica sua vida ascética afirmando que “não se escapa das dores, angústias e instintos até que eles estejam amortecidos e adormecidos”.
Outro filho é José, que se autoconcedeu o título de patrono da família; frustrado na sua aspiração de ser militar, criou um museu de fardas e objetos de guerra e ordena a Ana que os mantenha rigorosamente limpos; é um indivíduo autoritário, que vistoria os documentos de Ana e censura seu gosto literário.
O terceiro filho é Juan, o pai das três crianças que ficarão sob os cuidados de Ana; é um indivíduo, lascivo, pervertido e que envia a Ana cartas anônimas carregadas de obscenidades; sua esposa ameaça suicidar-se por causa das infidelidades do marido.
Os três homens assediam Ana, profundamente tocados por sua beleza e sensualidade; Juan o faz descaradamente, de modo desajeitado, e os outros dois de forma sutil, mas perceptível ao espectador. Ana, por seu turno, reage de maneira ambígua frente às atitudes dos homens, ora se aproximando, ora se afastando, demonstrando ingenuidade e perversidade simultaneamente, vestindo roupas sensuais; com esse comportamento consegue, de certa forma, dominar as situações -- algumas vezes estranhas, outras cômicas -- com que se depara na convivência com a família.
Com suas atitudes, Ana faz que pessoas aparentemente respeitáveis mostrem seu lado ridículo e sua hipocrisia. Assim, o filme descreve um grupo social em que a benevolência praticamente não existe, porque as relações sociais repousam sobre artimanhas, mentiras, omissões, espionagens, denúncias.
“Ana e os lobos” põe o foco sobre uma sociedade sempre capaz do pior, dissecando-a por meio de metáforas inteligentes e bem humoradas.
Serviço
Cine Reflexão
“Ana e os lobos”, de Carlos Saura
Hoje, às 19h
Sala Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73)
Entrada gratuita