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Amor e Maternidade em ‘O lobo atrás da porta’ (final)

14 de Setembro de 2018 às 11:13

Nildo Benedetti - [email protected]

Em junho de 2017 escrevi nesta coluna que, para Lacan, o desejo sexual no ser humano não é apenas a manifestação de um instinto natural hereditário, necessário à procriação, mas também mostra características sociais. No animal, não existe nada semelhante ao desejo sexual, erotismo ou perversão. Já as fantasias eróticas no ser humano não têm apenas o caráter preciso de instintos em ação: se só os instintos estivessem atuando, era de esperar que todos fizessem sexo da mesma forma.

O psicanalista lacaniano Massimo Recalcati, já citado na semana passada, escreve sobre dez formas de desejo em “Ritratti del desiderio” (Retratos do desejo”). Uma dessas formas é o “Desejo do Outro”, que é o desejo de ser amado, de ser reconhecido como singular, de saber que tem um significado para o outro. As atitudes simuladas de Bernardo levam Rosa a se sentir objeto exclusivo do amor do amante. Mas, a descoberta da existência da família deste, seu gradual afastamento, sua agressividade crescente, sua trama para levá-la a abortar, levam Rosa a se dar conta de que é apenas objeto de uma aventura extraconjugal corriqueira. O abandono pelo indivíduo amado pode ocasionar no abandonado sensações de desamparo, desespero, de ódio que podem levar à destruição do parceiro, como no caso de Rosa, que perdeu a ilusão de sentir-se objeto exclusivo de “Desejo do Outro”. Os mitos e a Literatura são fontes ricas de compreensão do ser humano. Rosa sintetiza duas figuras femininas da mitologia grega: Medeia e Clitemnestra. A primeira, a feiticeira que matou seus próprios filhos para castigar o esposo adúltero, Jazão, que a abandonara. A segunda, que matou o marido Agamêmnon porque sacrificara sua filha Ifigênia.

Mas, por que Neide, a assassina da vida real, simplesmente não matou o amante com o revólver que possuía, ao invés de cometer um infanticídio premeditado? Só uma análise psicológica da criminosa poderia ter respondido a essa questão em 1960, mas, faço uma conjectura: Neide, ao eliminar a menina de forma brutal, eliminou (menos ou mais conscientemente) o testemunho vivo da paternidade do amante e da maternidade da rival. Com seu ato movido por ódio invejoso, condenou o casal a um longo sofrimento. Portanto, ela não odeia apenas o amante traidor, odeia toda a sua família e tudo o que representa a família que ela não pode formar com o amante. Penso que a introdução da gravidez de Rosa no filme, inexistente no caso de Neide, transforma essa conjectura em tese, porque possibilita uma interpretação mais bem fundamentada de um dos motivos do crime de Neide, o do malogro da maternidade.

“O lobo atrás da porta” fala do incompreensível sentimento do amor no ser humano. Oscar Wilde pôs na boca de Salomé palavras de sabedoria, pronunciadas para a cabeça de São João Batista: “O mistério do amor é maior que o mistério da morte” e completa adiante, após beijar a boca do santo: “Seus lábios tinham gosto amargo. Seria o sabor do sangue? Mas talvez fosse o gosto do amor. Dizem que o amor tem um gosto amargo.”

Serviço

Cine Reflexão

‘O lobo atrás da porta’, de Fernando Coimbra

Hoje às 19h na Sala Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73)

Entrada gratuita