Alguns aspectos sobre desejo e amor tratados no cinema (3 de 7)
No filme “Amantes”, de Vicente Aranda, Luisa exibe a forma de desejo destrutivo do louva-a-deus fêmea. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
Encerrei o artigo da semana passada mencionando o “Desejo do outro”. Somos movidos pelo “Desejo do outro”, que é o desejo de sermos amados, de sermos reconhecidos como singulares, de sabermos que temos um significado para o outro. Para humanizar a vida, deve existir o “Desejo do outro” e somente esse desejo pode converter a vida em vida humana, porque essa é a forma de desejo que simboliza a vida. Desejamos ser desejados pelo outro. O apelo “Ouça-me!” que gritamos ao nascer se repete por toda a vida e só pode ser satisfeito com sermos ouvidos.
Essa forma de desejo implica dois sujeitos: um que pede para ser reconhecido e outro que reconhece o valor desse pedido. Desejamos ter algum valor para o outro, porque “amor demanda amor”, como diz Lacan.
O “Desejo do outro” pode trazer proteção, segurança, mas pode também ser fonte de angústia. A angústia ocorre quando estamos à mercê do desejo do outro, quando nos tornamos um objeto indefeso frente às demandas insaciáveis do outro. Não é o nosso desejo que busca o desejo do outro, mas é o desejo do outro que nos torna presa da angústia. Essa forma de desejo foi representada por Lacan como similar ao desejo da fêmea do louva-a-deus, maior do que o macho, que devora o parceiro durante o acasalamento. Nessa forma de desejo, a parte representada pelo louva-a-deus macho se vê passivamente presa ao desejo do outro e não consegue escapar do seu destino. Desse modo, não predomina, na relação, a satisfação das partes de serem mutuamente reconhecidos um pelo outro, mas predomina a angústia diante do caráter enigmático do “Desejo do outro”.
Várias formas de relação conjugal têm esse feitio: alguém preso a um outro que o faz sofrer, mas de quem não consegue se libertar.
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Outra forma de desejo é o “Desejo sexual”. Freud ensinou que a sexualidade surge em duas etapas, infância e puberdade, entremeadas por um período de latência, de forma que a sexualidade pré-genital infantil condiciona e estrutura o acesso à chamada sexualidade adulta genital. Nada disso ocorre com o animal, não há erotismo ou perversão no mundo animal, apenas instintos em movimento destinados à procriação ou à conservação da espécie. Por isso, a sexualidade humana é totalmente diversa do instinto sexual que encontramos no animal. O desejo sexual humano é extremamente variável de indivíduo para indivíduo, cada qual com suas excentricidades, sendo sua imaginação erótica imensamente diversificada. Por isso, os caminhos de sua realização são totalmente particulares e refratários a todo esquematismo instintivo. Lacan afirma que o desejo sexual não é realista e parece francamente surrealista. Não existe no humano um modo natural de desejo sexual; o que existe são infinitas possibilidades de montagens e cenários por meio dos quais o desejo se manifesta. Mesmo no desejo sexual humano que busca a fúria e a violência do animal, não se encontra a animalidade do instinto, havendo apenas o projeto perverso de recuperar aquela animalidade. Continua na próxima semana