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Alguns aspectos sobre desejo e amor tratados no cinema (2 de 7)

27 de Dezembro de 2019 às 00:01

Alguns aspectos sobre desejo e amor tratados no cinema (2 de 7) Em “A esposa”, de Björn Runge, Joan é impulsionada pelo desejo de escrever. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

Na semana passada iniciei esta série de sete artigos sobre desejo e amor, a fim de passar ao leitor elementos para enriquecer sua interpretação de filmes.

Para a psicanálise, desejo é palavra fundamental. Na sua forma mais elementar, o desejo se manifesta como uma força de vida, uma energia construtiva. É assimilado à vocação, à energia vital, ao impulso, à inclinação, à aspiração que move nossos interesses. É a realização plena da vida no trabalho, no amor, no ato de estar junto de alguém, na cultura, no ato de escrever, etc. Ele já se manifesta nas crianças quando mostram aptidões por números, desenhos, histórias. Na adolescência, principalmente, mas não só nessa fase, o problema do ser humano é decifrar sua vocação, o desejo que o habita, porque a voz do desejo é inconsciente e, portanto, manifesta-se numa linguagem estranha a ele. Esse fato justifica a dificuldade de muitos adolescentes de escolher a profissão que lhes dará prazer. Mas o desejo que mora em nós é indestrutível e continua inconscientemente a nos chamar em sua direção.

O desejo do ser humano nasce da sua capacidade inata de formular uma linguagem com sintaxe e semântica, que lhe possibilita experimentar uma amplíssima gama de sentimentos, emoções, conhecimentos. Os animais são incapazes de formular uma sentença com nexo, e se o leitor tiver interesse no assunto, sugiro a leitura do criterioso estudo científico realizado na Universidade de Columbia, que tem por título Can a ape create a sentence? (Pode um chipanzé criar uma sentença? em tradução livre), disponível na internet.

Como os animais não podem formular sentenças, não existe desejo no mundo animal. Este é o mundo dos instintos primários. O instinto materno, por exemplo, presente nos animais, se existisse no ser humano, faria que todas as mulheres se comportassem do mesmo modo antes e durante a gestação e no desenrolar das atribuições maternas que se seguem depois do nascimento do bebê. Mas isso não ocorre. Cada mãe é única com respeito ao filho e, portanto, não segue um modelo preestabelecido que seria esperado se só um instinto estivesse agindo.

Desejo não pode ser confundido com necessidade. A necessidade é dirigida a um objeto capaz de satisfazer sua urgência -- por exemplo, a água que sacia a sede --, mas o desejo é nutrido não por objetos, mas por sinais e tem um longo período de duração.

O desejo se apresenta sob várias formas, como veremos nos próximos artigos desta série. Essas variantes do desejo estão relacionadas umas com as outras em menor ou maior grau e, portanto, são separadas tão somente para efeito didático e a descrição de cada uma delas cobre apenas suas características predominantes.

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Em psicologia de grupo e análise do ego, Freud escreveu sobre a dependência psicológica de um indivíduo com respeito aos outros indivíduos com os quais tem alguma forma de relação. De fato, o primeiro desejo do ser humano é ser objeto de desejo do outro, somos movidos pelo “desejo do outro”. Escreverei sobre ele na próxima semana.