Alguns aspectos sobre desejo e amor tratados no cinema (1 de 7)
A série de seis episódios de “Cenas de um casamento”, de Ingmar Bergman: um discurso profundo sobre o amor conjugal. Crédito da foto: Divulgação
Nildo Benedetti - [email protected]
Os dois temas que esta série de sete artigos pretende abordar, mantêm uma relação muito próxima entre si, e muitos filmes evidenciam essa relação de dependência de uma forma menos ou mais evidente. O termo “desejo” será empregado de forma muito mais ampla, como veremos, e não se restringe ao desejo sexual.
Desejo e amor têm grande importância na vida cotidiana; são de enorme complexidade e foram e continuam a ser estudados por grandes pensadores. Como consequência, quem se propõe a escrever sobre esses assuntos corre o risco de cometer imperdoáveis simplificações e erros conceituais que poderão, mais do que auxiliar na interpretação de filmes, confundir o leitor.
Objetivando atenuar esses riscos e facilitar minha tarefa de pesquisa, optei por restringir meu campo de referências a uns poucos autores, como Sigmund Freud e o psicanalista lacaniano italiano Massimo Recalcati. Do primeiro utilizei a bibliografia e os estudos acadêmicos que ela ensejou e, do segundo, as conferências e livros, principalmente a extensa obra em que se empenhou na árdua tarefa de esmiuçar a psicanálise de Lacan: o primeiro volume, “Jacques Lacan: Desiderio, godimento e soggettivazione” e o segundo, “Jacques Lacan: La clinica psicoanalitica: struttura e soggetto”. Essas conferências podem ser encontradas no YouTube. Trechos do texto que escreverei a seguir são, algumas vezes, praticamente transcrições literais de passagens dessas conferências de Recalcati ou da bibliografia dos dois autores citados.
Procurei também me certificar de que as diferenças das concepções de Freud e Lacan sobre determinado tópico eram reais e não fruto da minha falta de compreensão de uma das duas vertentes psicanalíticas. Tomei ainda o cuidado de confrontar os vários textos e conferências de Recalcati para averiguar se, de acordo com meu entendimento, mantinham coerência sobre determinado ponto. Nesse confronto, parti da noção de que a falta de coerência deveria ser debitada à minha deficiência de compreensão, e não a deficiências do autor.
Com esse procedimento, penso que a possibilidade de comunicar conhecimentos incorretos ao leitor terá sido drasticamente reduzida.
Quando se lança mão dos conhecimentos de qualquer ramo das Ciências Humanas para formular determinada hipótese interpretativa de um filme, é esperada a discordância dos que preconizam orientações de pensamento diferentes sobre determinado tópico. E se nos restringirmos à ciência da psicanálise, observa-se que existem diferenças entre vários conceitos de Freud e Lacan. E mesmo no interior da obra de cada um desses autores ocorreram mudanças temporais, uma vez que suas ideias foram se aperfeiçoando ao longo da vida: o Freud da década de 1930 não é o mesmo de quatro ou cinco décadas atrás. Mas, penso que essas discordâncias são não apenas inevitáveis, como também altamente desejáveis, e o cinéfilo só tende a ser beneficiado com esse debate.
Continua na próxima semana