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A volta da pantera cor de rosa

29 de Setembro de 2019 às 00:01

Carlos Brickmann

Meu nome é Rodrigo Janot, mas pode me chamar de Inspetor Closeau. Lembre: o Inspetor Closeau era o atrapalhado personagem do filme A Pantera Cor de Rosa, interpretado por Peter Sellers, um especialista em se meter em confusões. Imitando Closeau, Janot gerou confusão: muito tempo depois dos fatos, decidiu contar que foi um dia ao Supremo Tribunal Federal, armado, para matar o ministro Gilmar Mendes e matar-se em seguida. Mas, diz, a mão de Deus o impediu de fazer a besteira. Guardou-se para fazer a besteira mais tarde, revelando ao País que por pouco um procurador-geral da República, surtado, só não precipitou uma crise graças à intervenção divina. E ainda falam de Damares e de Jesus que ela diz ter visto na goiabeira!

Ter a intenção de matar, desde que não seja consumada, não é crime. Mas Janot, no papel de Closeau, disse que Michel Temer lhe pediu que suspendesse as pressões sobre o deputado Eduardo Cunha. Isso teria ocorrido em 2015. Se o fato ocorreu, e Rodrigo Janot não tomou providências legais, talvez possa ser acusado de prevaricação -- falta de cumprimento do dever. E isso é crime. Há mais um complicador no caso: ir armado ao Supremo, com intenções homicidas (embora não executadas), levanta dúvidas sobre o equilíbrio emocional de quem tem porte legal de arma. Tem, não: tinha.

Mas nem tudo no ex-procurador Janot lembra o Inspetor Closeau. Closeau era representado por Peter Sellers. Convenhamos, falta a Janot esse talento.

A ação

O STF reagiu duramente: a Polícia Federal recebeu ordem do ministro Alexandre de Moraes para fazer busca e apreensão na casa de Janot e recolher as armas que fossem encontradas. Janot está proibido de entrar no STF e em qualquer de seus anexos e de se aproximar de qualquer ministro.

A inação

A Polícia Federal vem sendo criticada por ter falhado ao cumprir ordens anteriores do ministro Alexandre de Moraes a respeito da segurança do STF e de seus ministros. O diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que esteve na mira de Bolsonaro (e se manteve por ter a confiança de Moro), deve balançar. Dificilmente Moro conseguiria agora segurá-lo -- e segurar a si próprio.

As duas faces do bem

A irritação de Janot com Gilmar Mendes, que o levou a pensar em homicídio, nasceu da resposta a um pedido do então procurador-geral de suspeição, para que o ministro não votasse em determinado caso. Motivo: sua esposa trabalhava no imenso escritório de advocacia que defendeu Eike Batista. Na resposta, Gilmar afirmou que a filha de Janot tinha trabalhado para empreiteiras envolvidas na Lava Jato. Logo, se um era suspeito, por laços familiares, o outro também o era. Janot, que considerava sua observação sobre a esposa do ministro totalmente adequada, quis matá-lo por fazer referência semelhante sobre sua filha.

Um erro de tempo

Janot deu as entrevistas agora, época em que vai lançar seu livro Nada Menos que Tudo, escrito pelos jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelyn. Esta costuma ser época boa para lançar livros, já que é época de compra de presentes de Natal. Mas, depois do que disse, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot faria melhor se o lançasse não perto do Natal, mas do Carnaval.

Lava Jato -- e agora?

Duas informações importantes: primeiro, embora já haja no Supremo uma maioria consistente em favor de anular julgamentos em que réus delatores tenham deposto depois dos demais réus, a decisão ainda não foi formalizada: isto deve ocorrer apenas na quarta-feira (e, embora não se acredite na possibilidade, sempre alguém pode pedir vista do processo). Segundo, mesmo que a decisão seja tomada na quarta-feira, sem que haja qualquer novidade, isso não significa que todos os réus da Lava Jato terão o direito de pedir anulação do julgamento. Há vários caminhos e um deve ser escolhido.

Carlos Brickmann é jornalista ([email protected])