A última pergunta - homenagem a Isaac Asimov e Fredric Brown
Crédito da foto: Marcelo Camargo / Arquivo Agência Brasil
Leandro Karnal
Cleverson Nonato era inteligente e atento. Transformou-se em um moço de extremo sucesso. Atento ao mundo que flui, tornou-se um bom intérprete do desejo das massas que navegam a esmo pelo oceano da internet. Talento, esforço, muita observação e um tino inigualável deram a ele o prêmio de ser o perfil mais seguido das redes sociais do Brasil.
O nosso protagonista tinha um toque de Midas na forma de likes. Chegou a 20 milhões de admiradores em um momento em que muitos celebravam cem mil. Na verdade, redefiniu a área, como diziam especialistas. Em conversas mais populares, era o “dono da p... toda”. Foi entrevistado, imitado, analisado. Virou dissertação de mestrado e tese de doutorado. Surgiu um seminário “Cleverson de Sucesso” e um celebrado best-seller (vendido em aeroportos): A Cabeça de Cleverson: dez passos para seguir o gênio das redes. Era só o começo.
O fenômeno, para usar um clichê, era um bola de neve. O rapaz se reinventava. Quem lutava para atingir seu sucesso e não conseguia ironizava dizendo que eram postagens rasas. A inveja é a arquiteta mais frequente do edifício da vaidade ferida. Ele seguia indiferente à dor do mundo e, em dois anos, passou a 40 milhões e dali, em um piscar de olhos, a cem milhões de seguidores.
O número era como um cogumelo atômico! Cem milhões! Praticamente um em cada dois brasileiros assistia a seus vídeos, lia suas frases, admirava e comentava suas peripécias. O ouvido atento do mercado identificou nele o grande formador de opinião. “Influencer master”, bradavam todos! Havia filas quilométricas de pedidos para que usasse um boné específico, indicasse uma balada, aparecesse na rua com uma camiseta de tal marca. Cleverson enriqueceu como justa paga a tão grande talento e poder midiático. Seu escritório atingiu dimensões de grande empresa. A modesta moça auxiliar que ele contratara outrora tinha se multiplicado em assessorias de imprensa, equipes de criação, revisores, designers, etc. A profissionalização não afetou o aspecto pessoal e brilhante. Ele nunca diminuiu o toque autoral.
Especialistas e intelectuais frequentavam programas de debates e profetizavam o fim iminente. “Era uma bolha”, “Algo típico do mundo fluido das redes”, “Passará”; diziam/desejavam em coro. Os especialistas eram esquecidos a cada semana e os seguidores se multiplicavam.
O salto geométrico foi quando ele passou a produzir material em inglês. Foi estonteante. O fenômeno brasileiro era, agora, mundial. Foi o Homem do Ano na capa da Time. Seu nome encabeçava a lista dos mais ricos da Forbes.
Licenciava produtos todos os dias. Em cinco anos bateu a Coca-Cola como marca de valor. Havia um mundo “antes e depois de Cleverson”. Houve uma tulipomania e uma Beatlemania. Foram isoladas e muito provincianas se comparadas à Cleversomania. Era uma febre, uma pandemia, um delírio social! Mulheres e homens sonhavam com ele, desejavam-no, imitavam-no e não conseguiam tirar sua influência do córtex cerebral. Surgiram termos psicanalíticos para a obsessão.
Ele reduzira Alexandre, o Grande, a tiranete episódico semiasiático. Diariamente, seu comitê central decidia sobre quais séries da Netflix ilustrariam sua trajetória ou se o parque temático Cleversonland teria filiais em todos os continentes. Bill Gates, coitado, amargou seis meses de espera antes de ser encaixado por dez minutos na agenda do nosso mega-arqui-platinum-empreendedor brasileiro. Tudo era tornado pequeno diante do poder e da influência dele. O que abalaria aquela Xanadu internética?
As resistências baixaram gradualmente. O mundo estava unificado nas redes de Cleverson. O “decifra-me ou devoro-te” fora substituído por “aceita que dói menos”. Quase no mesmo intervalo de tempo em que César conquistara as Gálias, nosso herói tomou o planeta Terra de assalto. Seus vídeos em mandarim passaram de 10 bilhões de visualizações. Isso significava que cada chinês vira muitas vezes o mesmo esquete em vários aparelhos. Era um império no qual o sol nunca se punha.
Uma pergunta rondava o conglomerado. O que fazer quando todos os habitantes do nosso planeta já estivessem ligados e curtindo? Como expandir o império midiático além do limite da consciência humana? A fronteira estava perto de 8 bilhões de seguidores. E agora? Estagnar? Decair? Manter apenas? Cleverson isolou-se em uma cabana no coração do Brasil. A vista era linda e a paz, absoluta. Lá, em pose de meditação, ele pensou mais do que nunca. Como criar para além do número de humanos existentes? Como se expandir fora da matéria? Como ser de forma infinita?
Ele pensou muito e, de repente, em uma quinta-feira, finalmente, venceu a entropia e proclamou do alto de uma chapada que tinha encontrado a resposta ansiada. Como ir além do universo? Criando outro, com novos e sedentos seguidores. Emocionado com a descoberta simples e maravilhosa, Cleverson colocou-se de pé e ordenou a seu laptop: “Faça-se a luz!”. A luz surgiu com novas estrelas ordenadas e em bailado harmônico. E Cleverson viu que tudo era bom. Nosso herói fez um post tranquilo com uma foto que, claro, viralizou em novas galáxias. O número de curtidas excede a possibilidade de registro e a luz invadiu dimensões quânticas inusitadas. Essas foram a manhã e a tarde do primeiro dia do novo universo criado no Planalto Central. Boa semana aos que sabem que já estão no novo mundo e aos que ainda não perceberam.
Leandro Karnal é historiador e articulista da Agência Estado