A sociedade internacional na busca da autonomia tecnológica
Crédito da foto: Divulgação / anatel.gov.br
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
Atualmente, a sociedade internacional se depara com uma importante decisão sobre o uso da rede móvel de quinta geração, a tecnologia 5G, promovida pela empresa chinesa Huawei, sendo a maior provedora de equipamentos de telecomunicações a nível mundial. O debate conduzido no âmbito interno em cada país se dá entre adotar a tecnologia mais avançada 5G, que proporcionará uma conexão de internet com velocidade de download até 20 vezes mais rápida do que a 4G, e a polêmica possibilidade de controle de dados por parte da Huawei. Há significativa preocupação por parte dos Estados Unidos da América (EUA) e o receio de que haja acesso a dados, manipulação e possível espionagem por parte da China, lembrando-se que no regime comunista chinês as empresas possuem participação estatal.
Não obstante o Brasil tente demonstrar uma certa neutralidade nessa discussão, o alinhamento incondicional do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, com o presidente estadunidense, Donald Trump, causa um maior desconforto na negociação. Trump busca convencer outros Estados a não adotarem a tecnologia oferecida pela Huawei, inclusive, em 2018, o presidente estadunidense conseguiu influenciar a Austrália a não utilizar a tecnologia 5G naquele momento. No caso do Brasil, o embaixador dos EUA, Todd Chapman, mencionou de forma expressa que o País sofrerá consequências se optar pelo uso da tecnologia 5G da empresa chinesa.
O tema é de extrema relevância e possui uma função estratégica por determinar a revolução tecnológica relacionada à própria competitividade dos Estados na sociedade internacional. Curiosamente, os EUA utilizaram o mesmo tipo de procedimento de outros episódios históricos, como na Conferência de Bretton Woods, em 1944, em que se opuseram à proposta do economista britânico John Maynard Keynes de criação de uma moeda internacional. Em sua proposta, conhecida como Plano Keynes estava a criação de uma Câmara de Compensações Internacionais para centralizar todos os pagamentos decorrentes de importações e exportações. Segundo Keynes, o dólar não seria a moeda utilizada para transações comerciais, mas haveria uma moeda virtual conhecida como bankor. Os EUA não permitiram e alegaram que o dólar já exercia essa função. Por ironia, os EUA se empenham para que a China não consiga exercer influência internacional por meio de sua tecnologia, como os americanos o fazem ao dominarem o sistema financeiro internacional.
Não há consenso acerca da temática, sendo que a União Europeia enfrenta profundas discussões sobre aderir à tecnologia 5G. Na Inglaterra, ainda que cause controvérsias dentro do partido conservador do primeiro-ministro Boris Johnson, há forte tendência para utilizá-la na infraestrutura para o sistema de telecomunicações. O uso da 5G também aparece como alternativa interessante para pensar em uma maior concorrência em um contexto de Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, e a crise decorrente da pandemia da Covid-19. Na Alemanha, a principal provedora de celular é a empresa estatal alemã Deutsche-Telekom que já utiliza em parte os equipamentos de telecomunicações da Huawei. A chanceler alemã, Angela Merkel, já se pronunciou e disse não querer ter problemas com a China.
É possível entender as motivações da União Europeia ao pensar no desenvolvimento de uma política externa estratégica com a China. O desenvolvimento de várias empresas de tecnologia de informação no Vale do Silício, situado na Califórnia, nos EUA, demonstra a inexistência de uma supremacia por parte da Europa na área tecnológica. Existe um dilema entre escolher utilizar a tecnologia 5G, e manter os equipamentos de telecomunicações da Huawei, ou receber algum tipo de compensação caso opte por não usá-la. As possíveis sanções que podem vir dos EUA, corroborarão para as escolhas de cada país acerca da nova tecnologia.
Profa. Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional. Doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.