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A síndrome da criança espancada

10 de Outubro de 2018 às 09:46

“A criança tem comportamento medroso, não sorri, não chora e esboça gestos de defesa quando alguém se aproxima e, sobretudo, tem medo de ir para a casa. Os pais se mostram hostis e evasivos, escondendo a agressão e jamais admitindo a presença e extensão do abuso infantil”. A infância sempre foi e continua sendo o período mais perigoso da vida, pois, o infanticídio, a tortura, o incesto e o abandono são crimes cometidos todos os dias em todas as sociedades.

O problema não é novo e a própria Bíblia é rica em citações de abandono e assassinato com fins ritualísticos. Na Grécia, principalmente em Esparta, as regras de purificação da espécie impunham a extinção dos mais fracos. O mesmo ocorreu na Alemanha com a filosofia da raça pura.

Na civilização ocidental, a responsabilidade de educar os filhos era exclusividade das famílias, que aplicavam a disciplina como bem entendiam, pois o papel dos pais não estava em julgamento. Tal situação começou a se modificar com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Todavia, o caminho a percorrer é longo e difícil. Com efeito, somente nos EUA morrem cinco mil menores nas mãos dos pais por ano e cerca de um milhão padecem de algum tipo de maus-tratos ou negligência (1999). No Brasil, 10% das crianças que procuram serviços de emergência médica por trauma são maltratadas. Se o problema não for detectado, 5% vão morrer nas mãos dos pais em abusos repetidos.

O abuso infantil é definido como “toda a ação ou omissão por parte do adulto cuidador que resulta em dano ao desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social da criança”. As lesões são físicas, emocionais (danos ao psiquisrno), sexuais e por negligência (atos de omissão). Os maus-tratos acontecem numa família quando existem as seguintes condições: 1- dificuldades conjugais, isolamento social e emocional, amor-próprio deficiente, incapacidade de satisfazer as necessidades pessoais ou falta de vontade para procurar ajuda; 2- criança rejeitada, problemática, portadora de deficiência, que exige cuidados especiais ou de atenção; 3- crises na família, como fracasso, inutilidade e rejeição pessoal.

Os pais precisam de um “bode expiatório” para ter alguém a quem culpar. Nesta hora quem sofre são os filhos indefesos diante da truculência dos pais ou parentes. Os pais abusivos geralmente são de baixa idade, imaturos, disciplina férrea, baixa inteligência, psicopatas ou alcoólatras e com família estruturada no abuso. Já os filhos maltratados são crianças não planejadas ou não desejadas, prematuras, afastadas dos pais por longo tempo, adotadas ou sob guarda, em fase difícil de desenvolvimento (cólicas do lactente, choro noturno, problemas com os esfincteres, dificuldade para comer, etc.) e geralmente do sexo masculino.

As lesões mais encontradas são: na pele (manchas roxas, escoriações, sinais de queimadura, mordedura, etc.), neurológicas (fraturas, hemorragias por sacudidas violentas, hematoma subdural, etc.), oculares (inchaços, hemorragias na retina e até cegueira), ósseas (fraturas), viscerais (hemorragias de baço, rins, etc.) e envenenamentos.

Para ajudar as crianças maltratadas é necessária a conscientização da população, que precisa encarar o abuso infantil como uma doença que necessita de abordagem multidisciplinar (agente, meio e hospedeiro) e não como um problema restrito ao âmbito da família.

Com efeito, a educação e disciplina não são condutas legítimas, sem direito de intervenção. Como diz o Estatuto da Criança em seu art.13: “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”.

Isto significa que todas as pessoas têm o dever e a obrigação moral e legal de denunciar os maus-tratos aplicados por familiares, parentes, vizinhos, etc., contra as crianças. Ainda, todo hospital ou serviços de emergência devem possuir uma equipe multiprofissional de apoio à criança maltratada e à família maltratante. Somente assim pode-se amenizar o sofrimento deste ser maravilhoso e indefeso que tem o nome de criança.

Artigo extraído do livro Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, no dia 6 de junho de 2013.