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A resiliência do agronegócio na crise da Covid-19

03 de Junho de 2020 às 00:01

Maurício Moraes e Fabio Pereira

Em momentos de crise, o agronegócio costuma ser um segmento resiliente da economia, uma vez que o alimento é fundamental, mesmo ocorrendo desemprego e redução de renda. A pandemia de Covid-19, no entanto, trouxe incerteza e volatilidade ao mercado das commodities agrícolas. Alguns produtos sofreram fortes impactos no lado da demanda (flores e etanol, por exemplo), enquanto outros foram afetados no lado da oferta e logística (como frutas e legumes).

Diante da relevância do agronegócio nacional, que representa 21,4% do PIB brasileiro (segundo dados de 2019), torna-se ainda mais importante que as empresas ajustem suas operações de forma estratégica ao novo comportamento do mercado e às novas relações de trabalho provocados pelo coronavírus no mundo.

Como no agronegócio as cadeias de valor atuam conjuntamente, embora de maneiras distintas, entre os impactos verificados na oferta estão as disrupções nas cadeias de suprimento. As atividades que demandam mão de obra intensiva podem ser afetadas pelo isolamento social, enquanto outras, dependentes da mão de obra de outros Estados, podem sofrer com restrição de deslocamento ou de hospedagem. O fechamento de alguns países ao mercado internacional e a dependência pelas importações de algumas cadeias do agro (defensivos, fertilizantes e trigo, por exemplo) podem impactar a oferta em alguns segmentos no Brasil.

Quanto à demanda, podemos apontar que o isolamento social estimula o consumo por produtos que permitem maior tempo de armazenamento (soja, milho, trigo e café), afetando as cadeias de valor de produtos perecíveis (frutas, legumes, flores, carnes e lácteos). Além disso, com impactos no emprego e na renda, é possível que o consumidor procure por produtos mais acessíveis e que caibam no orçamento familiar. Assim, alguns produtos se tornarão cada vez mais populares, o que afetará o mix de mercadorias produzidas por algumas empresas. Haverá mudanças nos canais de venda, distribuição e consumo de alimentos.

A quarentena e a baixa circulação de pessoas trouxeram uma grande redução na demanda por etanol. Combinado com a recente queda nos preços do petróleo, isso diminuiu os preços do biocombustível no país. Esse cenário deve fazer com que as usinas voltem sua produção para o açúcar até a retomada do consumo de etanol.

Setores do agro que não estão envolvidos diretamente com a alimentação foram impactados negativamente com o isolamento social promovido pela pandemia. O maior exemplo que temos é na floricultura. Diante da ausência de eventos, a demanda por flores caiu enormemente no último mês.

Com a queda nos preços internacionais do petróleo, o diesel ficou mais barato, reduzindo custos na produção, transporte interno da colheita e frete para escoamento da safra. No caso do trigo importado, o custo aumenta para a indústria brasileira com a desvalorização do real frente ao dólar. E as adaptações necessárias ao enfrentamento da Covid-19 também podem afetar os custos.

Quanto às exportações, a valorização do dólar frente ao real compensa parte da queda dos preços de algumas commodities agrícolas, favorecendo as exportações no curto prazo. Os preços da soja, café e algodão poderão ter alta resultante dessa valorização do dólar frente ao real, exceto nos casos onde há preços fixados com operações derivativas para fixação de preços. No caso do milho, pode haver queda no preço em função da Fabio Pereiracolheita da segunda safra no Brasil e paralisação da indústria de etanol nos Estados Unidos, com possível excesso de oferta.

O cenário é de incerteza e volatilidade, com repercussão nos negócios tanto em 2020 quanto em 2021. Nesse sentido é ainda mais importante que todas as empresas do agro procurem a proteção de sua exposição cambial, seja mediante o chamado “hedge natural” ou por instrumentos financeiros disponíveis no mercado de proteção de preços e de câmbio. Por isso, é recomendável que as organizações revisem suas políticas de risco para assegurar maior estabilidade em suas operações.

Maurício Moraes é sócio da PwC Brasil; Fabio Pereira é gerente sênior da PwC Brasil. Ambos são especialistas em Agribusiness.