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A representação do feminino nos jogos digitais

10 de Agosto de 2018 às 09:45

Por muitos anos, os acadêmicos discutiram a representação de gênero nas produções audiovisuais, sobretudo, a representação do feminino quando comparada à do masculino. O resultado é que temos diversos estudos, especialmente em cinema, que apontam como a mulher foi representada de maneira taxativa pelos seus produtores. Aos olhares mais atentos, dependendo da produção, é possível identificar se o olhar oferecido ao espectador é masculino ou feminino.

Algumas atitudes são claramente identificáveis: as mulheres são apresentadas com super close up, em detalhes como boca, seios e outras partes do corpo, de modo que se resulta na objetificação da mulher. Outro ponto já bastante estudado são as narrativas dialógicas: enquanto o homem é ativo, herói, a mulher é passiva e, quase sempre, sua personagem refere-se ao relacionamento com o homem, do qual é dependente.

Nos jogos digitais, essas observações se tornam ainda mais possíveis, visto que as representações são intensificadas. Neles, as mulheres são representadas de modo frágil, como personagens que não têm noção sobre a coisa. Afinal, quem vai para a luta de vestidinho vermelho curto e seios aparentes?

Desde o início dos jogos digitais, a figura da mulher é representada de dois modos: ou como as mocinhas de Hollywood que, indefesas, devem ser salvas pelo herói -- uma das primeiras personagens foi a Princesa que surgiu em Donkey Kong, 1981, e se tornou a Princess Peach da série Super Mario Bros --; ou como as lutadoras de rua e guerreiras que, desde os anos 90, já se apresentavam com poucas roupas e pernas aparentes, seios e bundas avantajados, além dos movimentos sensuais e sonoridade que beiram a pornografia. Chun Li, a primeira personagem feminina de Street Figther, de 1991, luta mostrando as pernas grossas, e seus movimentos erotizados fazem com que sua calcinha apareça em quase todos os golpes. Já em Streets of Rage, lançado pela Sega em 1990, a personagem Blaze Fielding segue as mesmas características. Blaze até ganhou uma versão independente disponível na internet: Naked Blaze, em que o jogador pode jogar com a personagem totalmente nua.

Se fizermos um levantamento das principais produções realizadas desde 1990, podemos perceber que ainda são raríssimas as personagens que não se apresentam com essas características. Até mesmo aquelas que possuem melhor representação, como a Lara Croft da série Tomb Raider ou as personagens da série Resident Evel, não escapam. Recentemente, com o aumento -- ou a coragem das mulheres em se assumirem jogadoras de jogos de agon -- algumas produtoras têm melhorado as representações. Em The Last Of Us (2013), Elie, Marlene, Tess e Sarah estão bem mais próximas da realidade: são femininas, mas não sensualizadas ou erotizadas. Por outro lado, antigos grandes títulos, como Street Figther e Mortal Kombat, continuam apostando na objetificação. Curiosamente, a personagem mais recente de Street é a brasileira Laura, que, além de acolher todas as características já mencionadas, é tratada com posições de câmera que mostram suas aberturas de pernas e movimentos que beiram a pornografia.

Essas questões devem ser discutidas, uma vez que as representações, por mais fictícias que sejam, possuem algum impacto na percepção sobre o social. Certa vez, perguntei aos alunos de jogos digitais (meninos) se a Laura parecia com o que viam na realidade. Fui surpreendida com as respostas positivas de alguns, que alegaram que ela é como a maioria das meninas. Então os convidei a observar quantas "Lauras" encontravam no pátio da universidade.

Em suma, o mercado de jogos digitais tem crescido de forma significativa e essas questões devem ser problematizadas, uma vez que as ficções, muitas vezes, são incorporadas à realidade.

Thífani Postali é doutoranda em multimeios pela Unicamp e mestra em Comunicação e Cultura pela Uniso. É Professora da Uniso e membro dos grupos de pesquisas MidCid e Nami. Blog: www.thifanipostali.com