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A persistência do pop norte-americano

08 de Maio de 2020 às 00:01

João Alvarenga

O desabafo da senhora Isele Zelinda Zanella de Paula, publicado recentemente, no “Espaço do leitor”, deste matutino, encorajou-me a discorrer sobre um assunto que sempre me inquietou e que, talvez, seja motivo de reflexão para uma parcela da população que admira o que há de mais autêntico na nossa tradição musical.

Na manifestação, a leitora queixava-se da ausência dos ícones do passado na programação das emissoras de rádio de Sorocaba. Referiu-se ao talento de Dalva de Oliveira, Ângela Maria e das composições de Benedito Lacerda e Ari Barroso como símbolos de identificação nacional. Isso com toda razão, pois tais nomes fizeram parte da chamada “Era de Ouro” do rádio, porém estão praticamente esquecidos.

Lamentavelmente, essa constatação não se restringe apenas a nossa cidade; mas, tornou-se um comportamento audível na maioria das cidades brasileiras, principalmente das regiões metropolitanas, em que a opção pelo pop norte-americano, com a presença insistente da língua inglesa, tem saturado a programação das emissoras.

Antes de avançar, é mister frisar que não se trata de uma simples aversão à música importada, mas de uma necessidade de diversificação da programação das emissoras, a fim de não cansar o ouvinte. Para isso, seria interessante incluir canções de outros idiomas, como espanhol, italiano ou francês, algo que acontecia no passado, pois havia pluralidade de estilos e de línguas nas rádios, que tocavam boleros, valsas, mambos, baião, tango e samba-canção.

Se, antigamente, a música popular brasileira convivia de forma coesa com canções de terras estrangeiras, nos dias de hoje, apenas a voz ianque fala mais alto, como se nossas estrelas não passassem de luzes apagadas. Tanto que não é exagero afirmar que, entre dez canções apresentadas, apenas uma é nacional. Inclusive, há casos em que algumas rádios só se tocam músicas da terra de “Tio Sam”, numa espécie de “doutrinação cultural”. Tal postura nega às gerações futuras o acesso ao nosso riquíssimo acervo musical.

Ademais, transparece que a nova safra de programadores não reconhece nem mesmo a contribuição que Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Tom Jobim, Luiz Gonzaga deram à construção de uma autêntica cultura musical brasileira. Projeto idealizado pela figura de Heitor Villa-Lobos, além do resgate das cantigas folclóricas realizado pelo poeta Mário de Andrade, trabalho que a maioria desconhece.

Além disso, também não dá para entender o motivo das emissoras ignorarem o passado e sempre escolherem canções recentes, de gosto duvidoso, nunca clara adesão ao modismo, cujas letras são esvaziadas de sentido. Outrora, as músicas não só divertiam como também faziam pensar, pois as letras eram pura poesia. Noel Rosa, Cartola, Pixinguinha são apenas algumas pérolas desse oceano musical. Mas não tocam nas rádios porque os consideram ultrapassados.

Por outro lado, o chamado “sertanejão” é um fenômeno a ser estudado, pois sempre teve espaço privilegiado em várias emissoras, numa espécie de resgate da vida campesina, embora também tenha adquirido urbanidade. Desse modo, com raríssimas exceções, a nossa boa e velha MPB sobrevive, com aparições esporádicas em algumas emissoras e presença mais evidente em outras. Nesse contexto, o acervo da rádio USP chama a atenção por ter como foco composições do início do século passado.

Para concluir, entre as poucas emissoras que zelam pelo nosso patrimônio musical, a Cruzeiro FM 92,3 destaca-se nesse quesito, com uma programação ímpar que contempla vários estilos, além de resgatar talentos da velha guarda, também valoriza de forma original a música raiz de norte a sul do País.

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa Nossa língua sem segredos, que vai ao ar pela Cruzeiro FM (92,3 MHz), às segundas-feiras, das 22h às 24h.