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A pandemia e ‘A chegada’

11 de Dezembro de 2020 às 00:01

A pandemia e ‘A chegada’ Louise Banks desvenda a linguagem dos alienígenas e o mundo muda. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

Em junho de 2017 exibi na Fundec “A chegada”, do canadense Denis Villeneuve, e publiquei nesta coluna dois artigos sobre essa ficção científica. No meu livro “Filmes para pensar” analisei o filme. Atualmente ele pode ser visto no Yutube.

Em “A chegada”, a linguista Louise Banks é incumbida de decifrar a língua e descobrir as intenções de estranhos seres de sete braços que vieram a bordo de doze naves espaciais e pousaram em doze países da Terra.

O filme evidencia o medo de quase todos os personagens das reais intenções desses seres extraterrestres. Os países receptores das naves não se entendem, desconfiam uns dos outros e se digladiam. A imprensa propaga boatos desencontrados que atemorizam a população. O caos se instala -- aeroportos fechados, mercados financeiros em crise, toques de recolher, cenas de violência e assaltos. Alguns dizem que eles vieram oferecer armas ou tecnologia para fabricá-las; outros dizem que vieram atacar a Terra e resolvem contra-atacar.

A Covid, como a chegada dos alienígenas, foi um evento totalmente imprevisível. Foi causa de um trauma coletivo pelas mortes que provocou e vem provocando, pela dor sofrida com perdas de pessoas queridas, pelos dramas psicológicos de vários tipos que ocasionou, pelas crises econômicas que gerou. Atingiu principalmente os mais vulneráveis física e socialmente. As cidades ficaram desertas, a humanidade passou de uma posição de poder econômico, científico, de conhecimento, para a condição de impotência e de abandono.

A pandemia também mostrou episódios que dignificaram o ser humano. Sentimo-nos pertencentes e integrados amistosamente a uma comunidade que parecia nos acolher e, ao mesmo tempo, evitava nos ameaçar pelo contágio. Indivíduos de várias categorias profissionais correram risco de vida para salvar a vida dos outros e vários morreram. Mas também sentiram medo, porque não se pode separar o medo da coragem.

Com o confinamento, perdemos a liberdade como propriedade individual, egoísta, que deve ser usufruída a qualquer custo, e passamos a compreender a mais alta experiência de liberdade que é a regida pela fraternidade, pelo respeito à vida de pessoas que não conhecemos.

A decifração, por Louise Banks, da linguagem trazida pelos alienígenas desperta a solidariedade entre as nações e o mundo entra em uma era de paz. A pandemia provocará uma descontinuidade social, a vida depois dela será diferente. Poderá ser a oportunidade para a humanidade começar a refazer sua visão de mundo. Começando pela saúde, poderá caminhar aos poucos para a cooperação em outras áreas de interesse de todas as nações.

Contudo, a realização dessa visão otimista é possível, mas incerta, porque a pandemia também mostrou o lado obscuro do ser humano. Ela acabou se tornando campo fértil para a liberação da sua inerente agressividade. Alguns líderes mundiais, felizmente poucos, comportavam-se como se, secretamente, desejassem a ocorrência das mortes em massa. Arrastaram com eles seguidores fanáticos. A pandemia foi apoderada para acirrar o embate ideológico, a Ciência foi negada, a vacina foi politizada e a compaixão pelas mortes desvaneceu.

Na próxima semana escreverei sobre “Instinto básico”

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec