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A OMC e as exportações de frango do Brasil

20 de Agosto de 2020 às 00:01

A OMC e as exportações de frango do Brasil Crédito da foto: Divulgação / portaldaindustria.com.br

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

As notícias vinculadas sobre restrições às exportações de frango do Brasil durante a pandemia da Covid-19, primeiramente por parte da China, e posteriormente das Filipinas, suscita uma análise pormenorizada acerca da importância dos organismos multilaterais. Segundo o governo da cidade de Shenzhen, na China, as embalagens das asas de frango produzidas pelo frigorífico brasileiro Aurora estariam contaminadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) se pronunciou, por meio de seus representantes, acerca da ausência de evidência de que possa haver transmissão por meio de embalagens de alimentos. Mike Ryan, chefe do programa de emergência da OMS, foi enfático ao mencionar que as pessoas não devem ter medo de embalagens.

O pronunciamento da OMS, a respeito da cadeia alimentar não estar contribuindo para transmitir a Covid-19 ameniza a situação do Brasil na condição de maior exportador de frango mundialmente. O fato ocorrido demonstra a necessidade de observar medidas que vão além das sanitárias, como o binômio protecionismo e livre comércio. O último episódio, ainda mais controverso, em relação às Filipinas sobre a suspensão de importação de frangos do Brasil, teve como consequência o acionamento da Organização Mundial de Comércio (OMC) pelo governo brasileiro em busca de maiores esclarecimentos. Os acontecimentos evidenciam a relevância das organizações internacionais como forma de inserção internacional para o Brasil.

Simultaneamente, o país vivencia um período em que o presidente Jair Bolsonaro exerce uma política externa de alinhamento incondicional com o governo do presidente estadunidense, Donald Trump. Nesse ínterim, Trump tenta tornar os organismos multilaterais como instituições obsoletas, sendo as organizações internacionais um importante fórum de debate, negociação e entendimento para países em desenvolvimento como o Brasil. A manifestação do governo brasileiro em buscar o Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC, caso as Filipinas mantenham sua posição, mostra que as organizações internacionais são fundamentais para o diálogo e possíveis litígios no comércio internacional.

Na condição de duas importantes organizações internacionais que abordam a temática sanitária além de outros assuntos, faz-se indispensável observar que a OMS é uma agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), conforme o artigo 57 da Carta da ONU. Enquanto, a OMC foi criada pelo Acordo Mundial do Comércio, parte da Ata de Marrakesh, no Brasil foi promulgada pelo Decreto 1.355, de 30/12/1994, tratando-se de uma organização relacionada com a ONU, pois dialoga com essa organização, mas não é parte do seu sistema.

A OMC é uma organização internacional bastante presente nos meios de comunicação por orquestrar interesses díspares, relacionados com a intensidade dos fluxos comerciais, e o aumento da interdependência dos Estados a partir do pós-Guerra Fria, no início da globalização. Pode-se dizer que a OMC também funciona como um tribunal internacional por possuir um Órgão de Solução de Controvérsias e um Órgão de Apelação, sendo um dos motivos de sua alta visibilidade.

No entanto, a política de Trump de tentar esvaziar a OMC de modo a torná-la ineficaz, é parte de um projeto maior para atingir a China, pelo fato de haver ingressado nesse organismo ainda como país em desenvolvimento, e gozar de algumas prerrogativas por essa classificação. A falta de nomeação dos juízes para o Conselho de Apelação pelos Estados Unidos da América (EUA) é um dos instrumentos utilizados para dificultar a atuação dessa organização. Em um cenário pandêmico em que o Brasil possui uma agropecuária de alta competitividade e demanda a OMC como importante organismo para a solução de controvérsias, a aliança incondicional com os EUA não corroborará para resolver esse tipo de embate.

Profa. Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Santana do Livramento-RS, área de Direito Internacional.

Doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.