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A Magia Salvadora das Soluções

08 de Setembro de 2018 às 08:27

Em 17/8/1968 a Revista Lancet publicou o artigo

“Tratamento oral de manutenção para cólera em adultos”

(FSP 30/08/2018 pag.B8)

 

Crédito da foto: Luiz Setti

Morei da zona rural de Indaiatuba e conheci fazendas remanescentes dos tempos da cafeicultura. As casas da colônia eram simples, mas o terreno adjacente comportava pequenas hortas e criação de galinhas; alguns tinham até cabras e leitões. Atraídos por emprego melhor remunerado nas fábricas, os colonos mudavam-se para a zona urbana. Ocupavam casas simples, mas com quintais. No fundo destes, pequena horta fornecia vegetais para o cardápio diário e o galinheiro proteínas dos ovos e dos frangos domingueiros acompanhantes da polenta ou da macarronada.

Quando iniciei minha carreira médica fui trabalhar num município com grande área extrativista: madeira, palmito e fabricação de carvão. Em torno das toscas habitações, nenhuma atividade agrícola ou criação. Nem um franguinho sequer. Ali vivenciei a iniquidade da pobreza e suas consequências. Subnutrição endêmica em todos os seus graus. Mortalidade infantil alta. Tuberculosos descarnados tossindo sangue no aguardo de vaga em sanatório. Doenças preveníveis por vacina explodindo em brotos epidêmicos. Verminoses aos montes. Anemias. Diarreias e desidratação.

Tudo tinha de ser resolvido no Posto de Puericultura. Na retaguarda, precário hospital, se é que podemos chamar hospital o ambulatório com alguns leitos e sala para pequenas cirurgias. Nele cheguei a internar crianças apenas para dar vermífugos e melhor alimentá-las por alguns dias. Por falta de incubadora, acomodávamos e aquecíamos recém-nascidos prematuros entre litros contendo água quente.

Aos desidratados graves, a solução era aplicar soro por via subcutânea e complementar com fórmulas salinas diluídas em água potável. Num contexto em que as escolas pediátricas elaboravam esquemas de hidratação endovenosa, dosando eletrólitos (potássio, sódio, cálcio), classificando paciente em acidose ou alcalose, e as desidratações em hipotônicas e hipertônicas, na roça eu usava método ultrapassado.

Empiricamente acabei acertando porque, anos mais tarde, a TRO (Terapêutica de Reidratação Oral) foi considerada uma das ações básicas de saúde -- métodos simples e de baixo custo na atenção primária à saúde -- que mais salvou doentes de cólera-morbo* e crianças desidratadas pelas gastrenterites (diarreias na linguagem popular).

Em sua premiada coluna, num artigo denominado “Solução Mágica”, Dr. Julio Abramczyk refere-se à cinquentenária constatação sobre a eficácia do soro oral, associado à hidratação endovenosa, no tratamento da desidratação provocada pelo cólera. Muito feliz e inteligente o título escolhido pelo Dr. Julio. Solução tanto significa “líquido em que estão dissolvidos sais” como “aquilo que soluciona algum problema”. No caso um remédio barato, de uso fácil que pode salvar coléricos ou crianças desidratadas.

A pesquisa lembrada pelo articulista embasaria a TRO (Terapia de Reidratação Oral). Por TRO entenda-se a administração das soluções preparadas com sais hidratantes comercializados nas farmácias ou o soro caseiro. Este se prepara dissolvendo 1 colher de café de sal e 1 colher de sopa de açúcar em 1 litro dágua fervida ou filtrada. Dar à criança desidratada, ou em perigo de desidratação, às colheradas, à vontade. Soros por via oral salvaram e continuam salvando crianças por esse mundão afora. Mágica solução!

(*) Doença causada pelo Vibrio cholerae, acomete milhões de indivíduos nas áreas pobres e carentes de saneamento. Provoca violenta e profusa diarreia. Ocorre em forma pandêmica, epidêmica ou endêmica.

Edgard Steffen é médico pediatra e escreve aos sábados neste espaço - [email protected]