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A geração de 30 negou a de 22?

07 de Junho de 2019 às 00:01

João Alvarenga

Neste artigo, o foco será: os autores de 30 se afastaram da trupe de 22?

Um forte indício: se os modernistas de 22 não tinham a exata noção do que queriam no tocante às mudanças estéticas no fazer artístico, a geração de 30, por seu turno, centrou seus esforços numa literatura muito mais engajada do ponto de vista ideológico, sobretudo, no que diz respeito à prosa regionalista, em que os autores não só revelaram um Brasil ainda desconhecido da maioria dos brasileiros, mas também, denunciaram as mazelas de um capitalismo primitivo, em que o mais forte (leia-se latifundiários) subjugava o mais fraco, como forma de mantê-lo cativo à miserabilidade que se perpetuava de pai para filho.

Sob esse prisma, teóricos afirmam que a geração posterior à “fase anárquica” teve um caráter mais sério no tocante aos temas. Nesse contexto, os escritos de Graciliano Ramos, Jorge Amado, Raquel de Queiros e José Lins do Rego propõem ao leitor uma instigante viagem (sem GPS) ao interiorzão de um país rústico, tórrido e selvagem, cuja paisagem ressequida e inóspita exigia que as pessoas fossem ásperas como pedras enterradas ao chão seco, a fim de que sobrevivessem, em meio as piores condições possíveis.

Ademais, o romance “Vidas secas”, de Ramos, é o retrato mais fiel dessa árdua realidade. Composto de 13 capítulos independentes, tal obra inovou a forma de narrar, a partir do conceito de “romance desmontado” (ou móbile). Além disso, o enredo tem como pano de fundo uma das piores secas que já castigaram o nordeste. Inclusive, essa situação desencadeou o primeiro ciclo migratório, com milhares de retirantes que, em busca de uma vida digna, trocaram a secura nordestina pela ilusão da cidade grande. Assim, a pujança de São Paulo tem muito da mão de obra e do sangue nordestino: o camponês se tornou peão da construção civil.

De certo modo, quase todos os romances desse período, dada à inspiração de viés socialista -- ainda que de forma mascarada -- enfatizam as agruras de quem habitava um nordeste totalmente ignorado pelos moradores de regiões privilegiadas por abundância de água. Até mesmo as autoridades da época tratavam a referida região com se fosse algo apartado do território nacional, ou seja, um problema isolado.

Todavia, esse engajamento ideológico não se restringiu à prosa, pois também esteve visível na poesia, principalmente em poetas como: Murilo Mendes, Jorge de Lima, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Dessa lista, é imperativo citar a obra “Poemas Negros”, de Jorge de Lima, de 1947, que denuncia a condição indigna que os escravos eram submetidos nas fazendas. Em Vinicius de Moraes, o poema “Rosa de Hiroxima”, de 1945, revela a face mais humanitária do poeta, ao condenar o uso da bomba atômica. De Drummond, destacamos “A rosa do povo” (também de 1945) que, segundo a crítica, é um dos livros em que o poeta mineiro flerta com o marxismo e se mostra avesso ao populismo de Vargas.

Outro aspecto relevante, que sedimenta o afastamento da geração de 30 do grupo de Oswald de Andrade, é o fato de que, apesar do pessoal de 22 ter declarado, com todas as letras, a morte das formas fixas, os poetas posteriores ignoraram o recado e ressuscitam a metrificação e a rima na poesia, além do combalido soneto, numa espécie de declaração de independência, tanto na forma quanto no conteúdo. Porém, não se pode afirmar que a ruptura foi total. Muitos estudiosos entendem que, no fundo, a geração de 30 ajudou a consolidar as conquistas de 22. Na próxima quinzena, encerrarei esta série dedicada aos modernistas com uma abordagem sobre a turma de 45, com ênfase aos textos de Clarice Lispector, João Cabral e Guimarães Rosa. Até lá!

João Alvarenga é professor de Língua Portuguesa, mestre em Comunicação e Cultura, produz e apresenta, com Alessandra Santos, o programa “Nossa língua sem segredos”, que vai ao ar pela Cruzeiro FM 92,3 MHz, às segundas-feiras, das 22h às 24h.