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A força da cola

13 de Outubro de 2018 às 07:33

Aldo Vannucchi

É clássico o trecho bíblico, em que o autor inspirado busca superar o pessimismo existencial, lembrando que “tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar; tempo de destruir e tempo de construir; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de lamentar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de as ajuntar; tempo de abraçar e tempo de afastar; tempo de procurar e tempo de perder;..” (Eclesiastes 3, 1- 6). Vejo, à luz dessa reflexão, o resultado eleitoral do primeiro turno, tempo de procurar e tempo de perder.

Procuramos todos acertar os seis votos e todos perdemos a posse deles. Quem acertou os seis, quem garante que eles serão honrados pelos seus eleitos? Mas democracia representativa é isso. Ainda estamos longe da democracia direta, capaz de destituir empossados omissos ou corruptos.

O importante é que cumprimos o dever e deixamos muito claras duas condições essenciais para a reconstrução de um Brasil decente e justo: o repúdio à situação atual do País e a liquidação de famosos e famintos ratos do Congresso Nacional. Falta ainda o segundo turno, mas já ficou patente que acabou a paciência do povo. Temos que inaugurar um novo tempo, um tempo de arrancar o que se plantou mal, um tempo de curar os malferidos, um tempo de construir a justiça e a paz, um tempo de uma sociedade feliz, que pode juntar as pedras da raiva e transformá-las em sinais de abraços de reconciliação.

Tivemos um primeiro turno relativamente calmo. Mais barulho nas redes sociais, especialmente no WhatsApp, do que nas ruas. O pitoresco e exemplar foi ver todo mundo de cola na mão, na bolsa ou no bolso. 7 de outubro tornou-se o Dia Nacional da Cola! Quem diria, esse tradicional e fraudulento adjutório em provas escolares foi guindado à glória de segurança da vontade popular. E esse título se valoriza ainda mais se olharmos a cola também como substância própria para unir diferentes materiais. Pelo voto recebido, todo candidato ficou grudado ao compromisso de trabalhar, com seriedade, pensando mais nos sem empregos e sem salários, do que no seu próprio emprego e no seu (gordo) salário.

Mas usa-se cola também num terceiro sentido de cauda, rabo. Daí a expressão tão batida: “ficar na cola” de alguém. Nós, eleitores, podemos não dominar ciência política nem economia, mas temos faro e cuca, para ficar na cola das autoridades de qualquer esfera e setor. Se alguma coisa nos demonstrou até aqui a campanha eleitoral, foi, precisamente, essa capacidade popular de discernir entre alhos e bugalhos, entre fatos e factoides, entre políticos de boa-fé e governantes de meia-tijela.

Continuemos na cola dos candidatos, na defesa das causas capazes de nos tirar da beira do abismo. Eles precisam ser, permanentemente, controlados por nós, quanto ao primado da ética, quanto ao respeito dos direitos humanos, sobretudo dos mais esquecidos, e quanto às medidas necessárias para reduzir a nossa escandalosa desigualdade social. Numa palavra; a cola deve continuar!

Aldo Vannucchi é mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Pedagogia. Autor de diversos livros, foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (Fafi) e reitor da Universidade de Sorocaba (Uniso) -- [email protected]