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A felicidade de chorar

08 de Dezembro de 2019 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Diante de tanta aflição, a Igreja se sente chamada ainda mais a cuidar dessas feridas Diante de tanta aflição, a Igreja se sente chamada ainda mais a cuidar dessas feridas. Crédito da foto: Divulgação

O Papa Francisco tem convidado os cristãos e as pessoas de boa vontade a fazer a experiência de abrir o coração aos que vivem nas mais variadas periferias existenciais. “Quantas situações de precariedade e sofrimento presentes no mundo atual! Quantas feridas gravadas na carne de muitos que já não têm voz porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos. Diante de tanta aflição, a Igreja se sente chamada ainda mais a cuidar dessas feridas, aliviá-las com o óleo da consolação, enfaixá-las com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a atenção devidas”.

A consolação é uma ação primeiramente de Deus Pai. Jesus proclamou: “Bem-aventurados os que choram porque serão consolados”. Por que são felizes? Exatamente porque serão consolados pelo Pai e por aqueles que fazem a sua vontade! Em sua intervenção na história (o Reino de Deus), Deus se aproxima dos pobres, dos doentes, dos necessitados, para consolá-los, saciá-los e ajudá-los. A aflição não é um bem porque não é fruto do amor. A pobreza, a fome, a guerra são fruto do pecado e por isso são um mal. E Deus intervém para tirar-lhes a raiz. E pede aos cristãos que se engajem nessa batalha para arrancar as raízes amargas que provocam a aflição humana.

Nesse sentido, são felizes também os que, mesmo não sendo diretamente afligidos, não são indiferentes ao sofrimento alheio! Suas lágrimas não são provocadas por sofrimentos pessoais, mas por se deixar tocar pela dor do outro, e isso é felicidade!

O primeiro passo para consolar os que choram é estar em companhia deles. A arte da consolação consiste numa proximidade feita de sabedoria, de pronta disponibilidade, de delicada discrição. Consolar os que choram é um verdadeiro trabalho da inteligência e do coração, que exige esforço, tempo e atenção. Causa cansaço (bendita canseira!). A arte da consolação é uma prática genuinamente humana e extraordinariamente divina.

Jesus prometeu aos discípulos, antes de partir, o Espírito Consolador. O Espírito Santo é Deus Consolador, é Pessoa-Consolação. É no seguimento a Cristo e em obediência ao Espírito Consolador que o cristão se empenha em consolar os sofredores, em estar próximo daqueles que estão no luto e na amargura da vida.

A consolação tem os seus tempos, assim como a dor e as desgraças. É indispensável, se desejamos consolar, estar atentos, escutar o outro no seu sofrimento e escolher gestos, tempos, palavras, olhares, abraços, para poder fazer sentir a companhia afetuosa. Esse é o primeiro remédio das dores da alma. A pressa, a superficialidade e a falta de atenção do coração insensível não ajudam a consolar.

Faça hoje uma lista de aflitos que estão à sua volta: idosos abandonados, crianças maltratadas, os doentes terminais, os pais que perderam filhos, as vítimas do crime, os doentes largados sem tratamento médico, os refugiados. Quanto maior a lista, mais urgente é a consolação. Que os aflitos possam experimentar a misericórdia do Pai que se faz visível nas obras de misericórdia dos cristãos.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.