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A fé do Gabigol

03 de Dezembro de 2019 às 00:01

A fé do Gabigol Crédito da foto: Arte Criação de Zé Rodrigues / VT

Vanderlei Testa

O jogador do Flamengo Gabigol ao adentrar o gramado no jogo da decisão da Taça Libertadores da América fez o sinal da cruz, tocou o troféu e colocou a mão no coração. É fé, simpatia ou superstição? E a torcida com terços nas mãos e fazendo gestos de superstições, como figa? Na minha infância a vovó Victória, usava de rezas que aprendeu com os seus pais na Itália para os chamados “quebrantes” das crianças da redondeza da rua Santa Maria no bairro Além-Ponte. Também àqueles adultos que tinham a necessidade de orações às suas dores de cabeça pelo excesso de sol, ela usava uma toalha dobrada em quatro partes e um copo com água virado para baixo sobre a cabeça. Em minutos havia um aborbulhamento na água do copo e sumia a tal dor. Lembro que vi muita gente saindo sorrindo e feliz pela leveza da dor. Simpatia ou fé seja lá o que for o nome dessa prática dos meus antepassados e de quem ia procurá-la, acredito que a fé remove montanhas, como diz o Evangelho. Eu ficava observando que um pequeno livro de orações em idioma italiano era usado por ela. Guardo essa relíquia comigo.

Já a simpatia humana é um sentimento de afinidade que atrai e identifica as pessoas. Essa definição da palavra simpatia é a citada nos dicionários da língua portuguesa. Mas tem a tal de superstição na cabeça do povo, para as mais variadas alternativas, como: sal grosso na porta da casa e a figa no carro e espada de São Jorge, ramos de arruda e a planta “comigo-ninguém-pode”, pé de coelho, ferradura, trevo de quatro folhas. Vi numa loja de shopping esta semana um grande pote de sal grosso na porta de entrada. Um amigo diz que a pessoa com fé, não começa o dia com o pé direito e outras superstições. Começa de joelhos dobrados em oração.

Existe esse uso da expressão “simpatia”, aquela palavra que as pessoas usam como um recurso de conseguir uma proteção. Os jogadores de futebol que se benzem três vezes e beijam a mão ao entrarem em campo. Esse imaginário do povo chega a ser até engraçado. Um amigo de longa data contou-me que era gago quando criança. Um dia uma pessoa vizinha da sua casa, falou aos seus pais que para curá-lo da gagueira, deveriam comprar uma colher de madeira de uso em cozinha. E todos os dias a mãe deveria bater com a colher de pau em sua cabeça. Ia curá-lo de ser gago. O coitado do Wil disse que até o “galo” cantou na sua cabecinha de tanto receber pancadas. E o pior, não curou a gagueira.

Pesquisei sobre o tema simpatias. A Thais Andrade me disse que em sua cidade natal, Recife, era costume uma simpatia para as moças se casarem. Bastava fazer um corte de faca na bananeira e esperar sair o líquido que formava a letra do nome do possível namorado. Outra lembrança dela era no Natal, comer de uma só vez 12 grãos de uva, simbolizando os meses do ano. Assim teria felicidade no ano novo. Havia outras simpatias relatadas pelos amigos de corredores denominados “Atletas da Padaria”. Abro um parêntese aqui (o nome do grupo refere-se aos retornos das corridas e paradas obrigatórias em padarias para o tradicional pão de semolina na chapa com café com leite). Isso não é simpatia, é amizade. Outras “simpatias e superstições” nas aprontadas de infância citou o Wilson: Uso do chinelo e da cinta, nas malcriações. E nunca o chinelo poderia ficar virado, pois dava azar. Essas simpatias doíam e não tinha jeito.

Creio que a fé, um dom gratuito de Deus, pode realizar mudanças na vida de uma pessoa. Longe de ser simpatia ou superstição a oração funciona muito. A ligação do humano com o divino acontece pela conversa sincera e no silêncio. Os meus pais, avós e avôs traziam esses costumes de orar. Acredito que ao contrário, a somatização de pensamentos negativos traz resultados ruins a quem “encasqueta” na cabeça traumas ou sentimentos de culpa e outros, como o de rejeição. Isso pode ocasionar para muita gente a doença emocional. Tenho ouvido no transcorrer da vida muitos casos nesse sentido. Interessante que este artigo não estava na minha programação de dezembro. Não é simpatia. Escrevi por acreditar que neste momento poderá ser útil a alguém que precisava ler para repensar a sua vida em 2020. É uma questão de gratidão à vida proporcionar ao próximo à oportunidade de viver feliz. Na pesquisa, um empresário sorocabano contou-me que sua mãe o levava na Dona Mariquinha, uma das mais conhecidas de Sorocaba em benzer crianças até a década de 60. Ela mandava tomar, no seu caso de anemia, um copo de água todos os dias com pedacinhos de carvão. E a sua saúde estava sempre saudável, relatou-me. Fui ler sobre o que o carvão vegetal faz à saúde e sistema digestivo. Os especialistas dizem que limpa o organismo das toxinas. Boa sacada da Mariquinha.

Acredito que entre as causas da insegurança e traumas, o perdão que conseguimos dar à pessoa que nos magoou, “do fundo da alma” irá aliviar a nossa cabeça e o coração. A consequência, sem precisar da colher de madeira na cabeça, é a cura que recebemos pelo perdão e a fé em Deus, que nos fez e deu o dom da vida sem nenhum trauma emocional. Quanto às simpatias que citamos, pessoalmente não acredito que plantas ou outras superstições irão realizar “milagres” emocionais, físicos ou de proteção espiritual. Mas, cada um tem a liberdade de escolha nas suas decisões. O Gabigol fez os dois gols e conquistou o título ao Flamengo. Sorte ou fé o seu ato de tocar a taça depois do sinal da cruz? É o chamado livre arbítrio.

Vanderlei Testa é jornalista e publicitário, escreve quinzenalmente às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.facebook.com/artigosdovanderleitesta.