Buscar no Cruzeiro

Buscar

A estratégia da aranha e as ambiguidades da História

05 de Abril de 2019 às 00:01

A estratégia da aranha e as ambiguidades da História Draifa e Athos, o filho que busca a verdade sobre o pai: herói ou traidor?. Crédito da foto: Divulgação

Nildo Benedetti - [email protected]

“A estratégia da aranha”, filme do diretor italiano Bernardo Bertolucci lançado em 1970, é uma livre adaptação do conto “Tema do traidor e do herói”, do argentino Jorge Luis Borges. Este filme e o da próxima semana, “Joaquim”, do brasileiro Marcelo Gomes, colocam em discussão a gênese do herói na História.

A convite de uma antiga amante de seu pai, Draifa, o protagonista do filme, Athos Magnani, se dirige a uma cidade italiana imaginária, Tara. A cidade venera a memória de seu pai, líder de um grupo de antifascistas, que também se chamava Athos Magnani, assassinado por oponentes políticos há trinta anos. Draifa está convencida de que o criminoso é da própria cidade e, por isso, quer que Athos descubra o homicida.

Em certo momento do filme, um velho amigo do pai diz a Athos que a verdade não vale nada, o que valem são as consequências da verdade. Essa noção de relatividade da realidade histórica é defendida por Borges no seu conto Pierre Menard, autor de Quixote, quando escreve que a História não é uma indagação da realidade, mas a sua origem e a verdade histórica não é o que sucedeu, mas o que pensamos que sucedeu. Este pensamento de Borges se aplica com propriedade à história contada sobre Athos Magnani, herói do antifascismo. A verdade sobre essa figura histórica fica inacessível ao espectador e aos habitantes de Tara. A pergunta do espectador do filme é a mesma que Athos, o filho, faz sobre o pai: quem é Athos Magnani? Traidor ou herói?

O filme levanta algumas questões sedutoras para os psicanalistas. Uma delas diz respeito à busca obsessiva de Athos pela verdade sobre o pai, enquanto não pronuncia uma única palavra sobre a mãe; ele tenta sair da cidade, mas retorna movido pela compulsão de conhecer quem realmente é Athos Magnani, o pai. Involuntariamente deixa a mala na estação, sinal de que, inconscientemente, quer ficar na cidade para descobrir a verdade sobre o pai e, mesmo tempo, quer sair para continuar ignorando quem ele realmente é. À dúvida do filho sobre o pai -- se um herói ou traidor --, o espectador adiciona outra ainda mais complexa: qual a relação psicológica entre pai e filho?

Outra questão psicológica diz respeito ao sentimento que Draifa desenvolve em relação a Athos, o filho. Ela diz que precisa dele para ajudar na casa, veste o moço com a roupa do pai, quer que ele case com sua sobrinha de 19 anos e que o casal more na sua casa. Dizer que ela se apaixona por ele pela semelhança física com o pai é simplificar a questão. Penso que a essa possibilidade devem ser agregadas outras, incluindo a de que ela quer ter perto aquele que poderia ter sido seu filho e que, diante da impossibilidade de concretizar essa fantasia, procura torná-lo sobrinho, seu parente mais próximo.

“A estratégia da aranha” e “O conformista”, este dirigido logo depois daquele, são filmes políticos de Bertolucci que apresentam facetas do fascismo e, ao mesmo tempo, tratam de aspectos psicológicos que se tornarão comuns nos filmes posteriores do diretor.

Serviço

Cine Reflexão

“A estratégia da aranha”, de Bernardo Bertolucci

Hoje, às 19h

Sala Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73)

Entrada gratuita