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A diplomacia da vacina e a integração regional na América Latina

25 de Março de 2021 às 00:01

Carmela do Canto Cavalheiro

No dia 26 de março, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) fará 30 anos de existência, sendo que vários aspectos podem ser analisados no referente à integração regional. No entanto, a ausência de uma política coordenada do bloco no contexto da pandemia da Covid-19 trouxe à tona um de seus problemas, o fato de o processo de integração regional ser executado como uma política governamental e não estatal. Nesse caso em específico, o prejuízo é notório não somente para o Brasil, mas também para os demais Estados membros do bloco. O Mercosul é bem diferente do modelo europeu onde a União Europeia (UE) possui uma integração “supranacional”, isto é, certos órgãos estão acima do Estado-nação, havendo inclusive uma política monetária comum com uma moeda única, o euro. Em uma análise mais sofisticada, o Mercosul não pode ser considerado ainda um mercado comum, mas uma união aduaneira incompleta na implementação da Tarifa Externa Comum (TEC).

Não obstante as dificuldades a nível regional, poderia ter havido mais coordenação entre os países da América do Sul. Não só a UE pode ser observada como um exemplo de política comum no combate à pandemia, mas a União Africana (UA) negocia como continente a aquisição de vacinas. Algumas importantes negociações devem ser elencadas por parte da UA, como os financiamentos do Banco Pan-africano de Exportações e Importações (Afreximbank) e do Banco Mundial, além da forte presença da China na África. A China deixa de ser um país autoritário sob a liderança de Mao Tse-tung, e passa a adotar um capitalismo de mercado, ainda que com suas peculiaridades.

A diplomacia da vacina é utilizada como soft power, ou seja, na ideia de um poder de persuasão, tratando-se da África e sua doação de vacinas do laboratório estatal Sinopharm um exemplo das boas relações intercontinentais. Essa diplomacia da vacina não se encontra exclusivamente na África, mas na América Latina as principais vacinas disponíveis são originárias da China e Rússia. Ambos países demonstram maior rapidez no envio de vacinas para a América Latina do que os países Ocidentais. Em um cenário em que a Rússia havia desaparecido da região desde a Guerra Fria, o soft power russo é visível no cotidiano latino americano.

Sem embargo, a maratona da vacinação encontra desafios na falta de coordenação latino americana em um cenário em que alguns países avançam e outros demonstram um calendário difícil de ser cumprido. Inclusive em municípios fronteiriços, como no Rio Grande do Sul, em Santana do Livramento e na cidade uruguaia de Rivera, o Ministério da Saúde Pública do Uruguai está bem mais avançado do que o lado brasileiro. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, informou que a vacinação em massa dos 18 aos 70 anos ocorrerá durante o feriado da Semana do Turismo (do dia 28 de março a 4 de abril). A rápida vacinação no Uruguai é visível, especialmente para aqueles que aguardam sem uma previsão, quando receberão a vacina no lado do Brasil. No Uruguai, os professores foram considerados grupo prioritário, pois Lacalle Pou adota uma política para amenizar prejuízos escolares, especialmente com as crianças menores da primária. A diferença entre os municípios que convivem lado a lado, nas chamadas “cidades gêmeas” é visível, pois o município de Rivera adquirirá imunização bem antes de seu município vizinho.

A grande pressão internacional e o receio no desenvolvimento de novas variantes do vírus no Brasil também causam um certo descontentamento com o país na região. O Brasil e o México são considerados duas federações em que o excesso de centralização trouxe prejuízos. Ambos países importantes sob a perspectiva geopolítica e econômica poderiam ter apresentado resultados menos piores no combate à Covid-19. Em um momento em que foram evidenciadas as desigualdades, assimetrias e problemas de governabilidade.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.