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A decisão do Brasil é condizente com a atuação internacional do Facebook?

06 de Agosto de 2020 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

A notícia do despacho do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ao intimar o presidente do Facebook, no Brasil, a cumprir a decisão de bloquear todas as contas mantidas, a nível internacional, por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro causou notável repercussão. O anúncio do Facebook no sábado, dia 1º de agosto, sobre a suspensão dos perfis bolsonaristas internacionalmente, fomenta o debate sobre a proximidade entre o direito interno e o direito internacional.

Embora o Facebook tenha dito que irá recorrer da decisão, o cumprimento da ordem de bloqueio encontra coerência com o posicionamento da empresa em sua atuação internacional. O Facebook é na atualidade a rede social mais popular internacionalmente. A empresa americana, criada em 2004, por Zuckerberg, Moskovitz e Hughes, como uma rede social exclusiva para alunos da Universidade de Harvard, tornou-se posteriormente um grande espaço virtual para encontros e exposição de opiniões. A necessidade de um posicionamento por parte dos ordenamentos jurídicos de cada Estado se dá em uma dimensão em que o Facebook é utilizado em âmbito eleitoral, sendo uma empresa que foi criada sob a ótica da lei americana. A Lei de Decência nas Comunicações de 1996, em inglês “the Communications Decency Act”, foi uma lei criada sob a égide da liberdade de expressão de forma tão importante como a Primeira Emenda da Constituição estadunidense.

Ao mesmo tempo, Zuckerberg enfatiza a importância dos governos regulamentarem o uso da internet, em suas palavras “more government regulation of the internet”. Para Zuckerberg, os Estados por meio de seus governos poderiam legislar sobre conteúdos de caráter nocivo, integridade eleitoral, privacidade e portabilidade de dados. A visão do fundador do Facebook é bastante interessante, pois a maior parte das empresas multinacionais defende menos regulamentação. Simultaneamente, muitos usuários desconhecem a possibilidade de coleta de dados, como no caso da empresa de análise de dados Cambridge Analytica.

Em Estados com regimes não democráticos, o Facebook exerce importante função, sendo o Golfo Pérsico um dos locais com o maior número de usuários proporcionalmente no mundo. Alguns analistas inclusive atribuem ao Facebook a ocorrência da Primavera Árabe, conhecida pela onda de protestos no Oriente Médio e no norte da África em 2011, pois essa mídia é uma das principais fontes de notícias nesses países e viabilizou a reunião de milhares de pessoas que reivindicavam mudança de regimes e melhores condições de vida.

Não obstante o Facebook esteja inserido em uma multiplicidade de países, a classificação americana acerca dos grupos terroristas internacionais, como Hezbollah, Hamas e Guarda Revolucionária Islâmica é transportada para outros países. Aqueles grupos classificados pelos Estados Unidos (EUA) como terroristas estão desautorizados a serem usuários da mídia social. Além de não terem permissão para usar a rede social, o Facebook também impede que apoiadores, simpatizantes ou o simples fato de mencionarem algum desses grupos possam utilizar esse meio de comunicação.

O Brasil não é o único país que enfrenta dificuldades para lidar com a influência de mídias sociais em processos eleitorais, seja para enriquecer o debate de diferentes opiniões, ou promover o discurso do ódio, em inglês o Hate Speech, quando a liberdade de expressão apresenta dimensões “ilimitadas”. Existe uma tendência de plataformas digitais em colaborar com os governos de modo a não violar as legislações domésticas. É um debate que ocorre em vários países, principalmente em democracias em que eleitores e usuários são os mais afetados por notícias falsas, as chamadas fake news. O tema demanda criteriosa análise, pois a atuação do Facebook se mostra diferenciada a depender da realidade local de cada país.

Profa. Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional. Doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos