A criança em seu mundo
Crédito da foto: Karen González Opas / OMS Colômbia
"A vida educa. Mas a vida que educa não é uma questão de palavras e sim de ação. É atividade!" (Johann Heirich Pestalozzi)
A Paralisia Cerebral Infantil (PCI) é bastante comum. Nada a ver com a poliomielite. Costuma aparecer como sequela de anóxia (falta de oxigênio) cerebral durante a gestação, parto e doenças do encéfalo. Certamente você conhece um ou mais portadores dessa patologia: crianças com subdesenvolvimento do sistema neuro-motor, nos mais variados graus.
Nos casos mais leves, a inteligência é normal; apenas incoordenação motora os torna desajeitados. Nos casos extremos, nenhuma habilidade. Dependem totalmente de cuidados, como vegetais com alma.
Um dos problemas da criança pobre é viver em ambiente pobre de estímulos sensoriais. Menino, 7 anos, foi internado com diagnóstico de PCI. Não falava nem parecia ouvir ou enxergar. Não se movimentava. Além da imobilidade, apresentava grave defeito na coluna, dobrada em ângulo acentuado. A triagem não teve dúvidas em interná-lo entre os graves.
A equipe multiprofissional (medicina, enfermagem, fisioterapia, assistência social) observou algo diferente naquela PCI. Discutiram o caso e optaram por um programa de estimulação intensa. Ao fim de alguns meses, respondendo à estimulação, o menino começou a movimentar-se, falar, ouvir, estabelecer contacto com o ambiente.
Assistentes sociais ajudaram a esclarecer a gênese. Mãe solteira, favelada, muito cedo foi obrigada a deixá-lo no barraco, sob cuidados da avó. Saía antes de o sol nascer e voltava sol posto, extenuada, do trabalho de faxineira. Por berço, caixote de querosene. A avó mantinha-o limpo, seco, alimentado com mamadeira.
De extrema ignorância, não falava com a criança, nem a tirava do improvisado berço. A mãe, por sua vez, cansada, pouco lidava com ele. O menino foi crescendo; logo, ficou maior que o caixote. Daí a deformidade.
Da falta de estímulos, aparente paralisia cerebral. A morte da avó cuidadora gerou necessidade da internação. O programa de estimulação trouxe aquela criança à idade mental quase equivalente à cronológica. Chegou a ser alfabetizada. Para a deformidade óssea não houve solução.
A velha Pediatria recomendava que bebês deveriam ser “deixados em paz”. Adultos não deveriam amolá-los com afagos, balanços, “bilus-bilus” e quejandos. Banhado, trocado e alimentado deveria ser deixado no berço para o sono tranquilo. Aos chorões, microdoses de luminal e quarto escuro; não deveriam ser atendidos em seu choro, até se renderem ao ciclo adequado de vigília-sono-vigília.
Nada mais equivocado. O bebê manuseado, estimulado, massageado, em contacto com o meio ambiente desenvolve-se mais rapidamente e melhor. Todos os cinco sentidos precisam ser usados.
Vida moderna, subespecialidades, trabalho materno, violência e outros fatores, acabaram com o pediatra de família e chamados domiciliares. Cada vez mais, o médico desconhece a família e o ambiente em que vive seu paciente.
Lembro-me de garoto, dois anos, doente de “bronquite” e atraso no falar e no andar. O médico que o assistia havia recomendado consulta a neuropediatra.
Chamado ao domicílio, na conversa com os pais, consegui decifrar a charada. O jovem casal (afogado entre estudos e empregos) revezava-se no atendimento ao primogênito, no pouco ensolarado e diminuto apartamento em que viviam.
O nenê cuidadosamente bem cuidado, limpo e alimentado não tomava sol. Passava o dia dormindo e somente saia de casa para eventuais visitas aos avós noutra cidade. Banhos de sol e vitamina D melhoraram a saúde da árvore respiratória enquanto o passeio diário e a estimulação (carregar, falar, massagear, mostrar e fazer o menino contatar o meio ambiente) resolveram seu pseudorretardo neuropsicomotor.
Crescido, hoje, honra nossa profissão com sua inteligência e dedicação aos que o procuram em sua especialidade. Tive a honra em ser por ele atendido. Atendimento profissional, científico e humano.
Sorocaba, Dia Mundial da Saúde, 2020
Edgard Steffen é médico pediatra e escritor