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A contaminação do ódio

31 de Maio de 2020 às 00:01

Dom Julio Endi Akamine

Deus se revela como amor. O que significa isso? O que muda na nossa vida e em nossa fé saber que Deus é amor?

Primeiramente é preciso tomarmos consciência de que a revelação de Deus Amor Infinito não se limita a uma doutrina. Nós só chegamos a conhecer que Deus é amor porque assim Ele age.

“Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. E nós temos reconhecido o amor de Deus por nós, e nele acreditamos. Deus é Amor: aquele que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele” (1Jo 4,7-10.16).

Nesse texto, S. João testemunha que descobre que Deus é amor em seu ser mais profundo não como o resultado de raciocínios e de teorias sobre Deus, mas porque constata o fato do Pai que enviou seu Filho ao mundo para dar sua vida aos homens. S. João diz que Deus é amor porque reconhece o acontecimento de Deus que ama até o ponto de entregar o que lhe é mais caro a fim de salvar os homens.

Nesse dar e nesse dar-Se a Si mesmo, nesse compadecer-Se e nesse querer salvar está o verdadeiro amor. É justamente esse amor, manifestado no envio do Filho, aquilo que constitui a essência de Deus. Em outras palavras: no amor que se manifesta na doação de Jesus se revela o modo mais íntimo de ser de Deus: se em tudo Deus age como Amor é porque em si mesmo Ele é Amor.

Essa é a perspectiva em que todo o Novo Testamento testemunha o mistério revelado de Deus: a partir da revelação que aconteceu em Jesus, somos introduzidos no próprio mistério da vida íntima e interna de Deus.

Uma vez que Deus se revelou Amor-para-nós, chegamos à fé de que Ele é eternamente permuta de amor: Pai, Filho e Espírito Santo. Deus é amor, mas cada uma das pessoas é amor a modo próprio.

O Pai é amor gratuito e altruísta. Ele é a Origem e a Fonte que se comunica totalmente ao Filho e ao Espírito. O Filho é amor que recebe agradecido para entregar, gratuitamente, ao Outro. O Espírito Santo é amor como alegria da comunhão pura do amante e do amado que estão unidos entre si.

O Pai é só amor gratuito; o Filho é amor agradecido e gratuito; o Espírito é amor de comunhão entre amante e amado.

Uma vez que o Espírito é Espírito do Pai e do Filho, podemos também dizer que Ele é amor dos dois, ou melhor, Ele é Amor-Pessoa, amor que procede do amor do Pai e do Filho. Amando-se reciprocamente, o Pai e o Filho fazem surgir um terceiro, que é Amor consubstancial dos dois. O amor entre Pai e Filho é de tal ordem que eles não só estão unidos, mas são um só. E é o Espírito Santo de Amor que une Pai e Filho nessa comunhão inefável.

Conhecer Deus, que é amor, tem como consequência a prática do amor fraterno. Quem não ama realmente não conhece Deus, uma vez que conhecer Deus não é mero conhecimento teórico.

A revelação de Deus Amor é protesto contra a cultura do ódio e da vingança que em nossos tempos parece se afirmar e se disseminar em nossa sociedade. Mais do que isso: é o refúgio e a proteção eficaz contra a sua propaganda e contaminação.

Concluamos nossa reflexão de hoje, voltando a ler a 1Jo.

“Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é Amor. Nisto se manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo para que vivamos por ele.”

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.