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A cidadania em trânsito

08 de Janeiro de 2019 às 08:54

A primeira questão que se apresenta, quando buscamos compreender as cidadanias engendradas pela globalização, é: A que cidadanias nos referimos? Autores como Milton Santos, Antoni Jesús Aguiló e Boaventura Souza Santos, por exemplo, em vários momentos de suas carreiras, para responderem ao neoliberalismo, enquanto filosofia do capitalismo global, classificam a cidadania de diferentes maneiras, mas que, ao final, convergem em conteúdo e continente.

A ideia geral é que, no neoliberalismo existe uma servidão em consequência de uma única lógica na produção de parâmetros, imagens, significados que permeiam o cotidiano. O geógrafo brasileiro vai desenvolver a teoria dos homens lentos na cidade opaca (1996), Antoni Aguiló conceitua como cidadania de baixa intensidade (2009) e Souza Santos, como fascista social (2001), em que todos são cidadãos com direitos e deveres, porém, enquanto os dois primeiros opacos e de baixa intensidade -- não exercem (ou são impedidos de exercer) em plenitude, o fascista social é uma pessoa igual ao outro, mas diferente, isto é, a força do capital econômico e financeiro que detém o faz autoritário e arbitrário socialmente.

De nossa parte, pensamos que a proposta de uma cidadania em trânsito como categoria pode ser interessante para pensar a parcela da sociedade que se desloca em busca de ser um cidadão pleno. Esse cidadão, ao mesmo tempo em que pode usufruir, incorporando e vivendo momentos da lógica do capital viajando de avião, vislumbrando um caminho em outro país, projetando seu futuro é também aquele que viu e viveu o esgotamento das possibilidades no lugar de origem. Em seu país não tem mais lugar para exercer o que lhe é de direito, e a partida surge como solução e saída da sobrevivência social.

Sejam os mais variados motivos, a cidadania em trânsito na globalização pode indicar novos rumos para a reflexão do viver em sociedade a partir dessa segunda década do século XXI, quando tanto se fala sobre o fim das fronteiras, graças às tecnologias da informação cotidianas. Contudo, as fronteiras são obstáculos físicos e a imagem que ela sugere é a de placas tectônicas em alinhamento e ajustes constantes e não de eliminação total.

Em pesquisa preliminar foi possível verificar a diversidade de histórias e a complexidade de fatores que levam pessoas a deixarem seu país de origem, portanto, é mister uma pesquisa mais aprofundada e sistematizada para dar conta de toda a gama de situações, motivos tão diferenciados que levam a essa empreitada.

Outra questão emerge dessa constatação: Como imigrantes, refugiados, em trânsito entre os países, podem almejar a cidadania se esta depende da força do lugar, do estar aí?

O lugar relaciona-se diretamente com a presença, participação e pertencimento a um cotidiano comum dos sujeitos de dada escala social, seja ela um bairro, uma vila, uma cidade. Com isso, abre-se a questão de que a cidadania somente será alcançada pela mediação entre os atores em seu lugar?

A força do lugar, aliada às práticas cotidianas, possibilita a melhoria da qualidade na participação cidadã. É no lugar que o cotidiano pode se exprimir com maior fluidez. Também no cotidiano, “a globalização faz também redescobrir a corporeidade” (Santos, 1996). Isso requer considerar cada lugar como o mundo. Porém, essa globalidade requer também maior individualidade e, no limite, necessidades de outras relações para o entendimento do fenômeno, já que é o global e o local agem e interagem ao mesmo tempo, ao que, também, podemos chamar de globalidade.

Por fim, a compreensão desses processos pode também contribuir para o aumento do interesse das pessoas para com os sistemas de mobilidade humana, almejando maior

entendimento, o que pode gerar também maior compreensão e menor discriminação e marginalização daqueles que saem e chegam.

Paulo Celso da Silva é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Uniso Mestrado e Doutorado. Doutor em Geografia Humana -- [email protected]