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A Amazônia é nossa?

01 de Outubro de 2020 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

A carta enviada, no dia 15 de setembro, ao vice-presidente do Brasil e líder do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão, revela uma realidade complexa. O documento assinado por oito embaixadores europeus -- Alemanha, Noruega, Dinamarca, Países Baixos, França, Itália, Reino Unido e Bélgica -- enfatiza que com a maior tendência do desflorestamento no Brasil, os investimentos se tornam mais difíceis, pois devem atender a critérios sociais, ambientais e de governança.

O posicionamento dos embaixadores europeus instrumentalizado na carta demonstra que a temática do meio ambiente abrange hodiernamente a biossegurança, a economia verde, os mecanismos de desenvolvimento que inauguram o mercado internacional de créditos de carbono, entre outros. A amplitude da dimensão social do desenvolvimento sustentável torna fundamental a capacidade dos países em articularem consensos, em se tratando de uma soberania compartilhada quando se aborda o meio ambiente.

Simultaneamente, a soberania compartilhada não significa dizer que a Amazônia deveria ser “internacionalizada”, como sugeriu o presidente francês Emmanuel Jean-Michel Frédéric Macron. A polêmica sugestão acerca da criação de um estatuto internacional para proteger a floresta amazônica suscitou várias explicações sobre a soberania do Brasil. É importante relembrar o tratado internacional que afirmou a soberania brasileira sobre a floresta, em 1978. Por iniciativa do Brasil, foi assinado o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), por oito Estados -- Bolívia, Colômbia, Peru, Suriname, Guiana, Equador, Venezuela e Brasil.

O tema da Amazônia passou a ser administrado sob a ótica regional, observando-se que vinte anos depois foi feita uma emenda ao tratado e criada a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), com o objetivo de promover o desenvolvimento integral da região e de suas populações. Nesse cenário, a OTCA é uma organização internacional com sede em Brasília, estabelecida pelo acorde sede de dezembro de 2002.

Nesse contexto, insere-se o debate sobre o meio ambiente em conceitos como biodiversidade, sendo homem e natureza parte dessa relação, e a indivisibilidade na percepção de que as ações do homem produzem efeitos sobre a natureza. O tema meio ambiente não é novo para a sociedade internacional, levando-se em consideração que em 1972 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. Este foi o primeiro evento realizado pelas Nações Unidas para abordar o assunto de forma global. Nessa conferência participaram várias Organizações Não-Governamentais (ONGs) como representantes da sociedade civil.

Já em 1973, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), com sede em Nairóbi, no Quênia, para a proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Na sequência vieram outros tratados internacionais em que vale a pena destacar, a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, em 1985, em que estudos científicos alertavam para os problemas decorrentes da redução da espessura da camada de ozônio, como o aumento no caso de tumores de pele, catarata e cegueira, para citar alguns deles. Nesse sentido, o a convenção previa mecanismos de proteção ao ozônio estratosférico com a necessária adoção de obrigações genéricas pelos governos, na forma de medidas jurídico-administrativas, para que a camada não sofresse redução.

Não obstante haja soberania do Brasil sobre a Amazônia, o meio ambiente afeta todo o planeta. Por isso, a existência de tantas conferências que tiveram como consequência tratados internacionais para regulamentarem o tema e as obrigações dos países que tenham ratificado esses tratados. O Brasil, como detentor da maior biodiversidade do planeta, deveria assumir um maior protagonismo e não permitir as devastações atuais, que promovem uma péssima imagem do País no exterior.

Profa. Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (Unipampa), campus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional. Doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.