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A alta taxa de imunização do Chile e suas especificidades

15 de Abril de 2021 às 00:01

Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro

O Chile é um país que deve ser analisado de acordo com suas especificidades, sob o ponto de vista econômico, político e também na condução da pandemia da Covid-19. O percentual de vacinação no Chile alcança os melhores índices da América Latina, tendo em vista que metade da população já teve a aplicação das duas doses. No entanto, as taxas de infecção comunitária alcançam seus níveis mais elevados, e o País opta por fechar suas fronteiras de 5 de abril até o dia primeiro de maio. As rigorosas medidas adotadas pelo governo chileno implicam em adiamento das eleições para eleger os representantes da assembleia constituinte para 15 e 16 de maio, confinamento de 83% da população, além de toque de recolher a partir das 21 horas. Embora os índices de vacinação avancem de forma mais célere inclusive na frente de países como a Espanha, a lotação de leitos de hospitais em março teve como consequência as políticas restritivas.

É notória a preocupação do governo em priorizar medidas rigorosas, mesmo com a rápida imunização coletiva. Na posição de Estado latino americano com o maior percentual da população vacinada alguns fatores devem ser observados no caso chileno. Em primeiro lugar, o Chile possui antecedentes históricos, políticos e econômicos que tornam o seu modelo bastante específico. Durante a ditadura do general Augusto Pinochet, o governo priorizou a formação de um governo tecnocrata, os “Chicago Boys”, estudantes de mestrado e doutorado que haviam estudado na Universidade de Chicago adeptos do liberalismo econômico. Esses jovens que conduziram a política econômica chilena durante o governo Pinochet e tornaram o País um verdadeiro laboratório do neoliberalismo na região. Não obstante, admirados por algumas figuras públicas, devem ser analisados em um contexto próprio.

O liberalismo econômico era acompanhado de uma forte repressão aos direitos civis, tema que posteriormente foi alvo da Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación, divulgada no site do Ministério da Justiça do Chile. Por meio do Decreto Supremo no 355, de 25 de abril de 1990 com o objetivo de contribuir para a investigação global sobre as graves violações aos direitos humanos entre 11 de setembro de 1973 e 11 de março de 1990. Tanto as violações ocorridas em território nacional como no estrangeiro desde que tivessem alguma relação com o Estado chileno.

A democracia a partir da década de 1990 ocorre em uma discreta transição, mas é acompanhada de uma sensata preocupação em melhorar a imagem do País para a sociedade internacional. Nesse sentido, o Chile utiliza um importante conceito nation brand (desenvolvido pelo cientista político inglês Simon Anholt), na estratégia política em melhorar a imagem País. Por meio de uma coordenação entre setor público e privado, o Chile se empenhou em projetar a imagem de um Estado estável, transparente e dotado de uma economia liberal, isto é, um ambiente propício para investimentos externos mesmo estando situado na América Latina. Na expressão local, “una buena casa en un mal barrio”.

A realidade chilena construída em uma história específica deve também ser compreendida no contexto da integração regional do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e as motivações que levaram o Chile a optar por ser membro associado do Mercosul em lugar de membro pleno. No recém lançado livro, “Mercosul 30 anos caminhos e possibilidades”, organizado pelo professor doutor Gustavo Oliveira Vieira com vários aspectos e relações do bloco. No capítulo 21, intitulado “o Mercosul sem o Chile como membro pleno: diplomacia presidencial e nation brand” de minha autoria, há uma análise sobre a situação específica do Chile em que existe uma situação econômica diferenciada em relação aos outros membros do bloco mercosulino. Além de uma política externa sem grandes mudanças e extremamente pragmática em sua atuação.

Profa. dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional é doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.