Marcos Cintra
Pune-se os honestos, enquanto a evasão é a vilã
O Brasil, mais uma vez, se vê em um labirinto fiscal, onde a busca por receitas parece se concentrar nos mesmos bolsos de sempre. Com a carga tributária alcançando 32,32% do PIB em 2024 o nível mais alto da década a sensação é de que o governo aperta ainda mais o cinto dos contribuintes já sufocados, enquanto a evasão continua a ser a verdadeira sangria fiscal. É como tentar esvaziar um balde furado tapando as goteiras, sem consertar o fundo.
As medidas recentes evidenciam essa miopia: retributação de combustíveis, novos impostos sobre fundos exclusivos e lucros offshore, corte de benefícios a 17 setores, tributação de compras internacionais e apostas on-line, além de restrições à compensação de créditos tributários. Individualmente, essas ações podem parecer justificáveis; somadas, compõem um mosaico que penaliza justamente os “bons contribuintes”: empresas formalizadas, consumidores regulares e cidadãos que operam dentro da lei, que são mais fáceis de se alcançar pelo fisco.
A crítica central é inegável: insiste-se em extrair mais de quem já cumpre suas obrigações, em vez de atacar a raiz do problema. A verdadeira questão fiscal brasileira não é falta de impostos, mas a imensa “brecha tributária” um abismo entre o que deveria ser arrecadado e o que de fato é pago que é alimentada por evasão, fraude, sonegação e pela vasta economia informal. Ao focar nos contribuintes honestos, o Estado desestimula a formalização e perpetua um ciclo vicioso de injustiça e ineficiência.
Mas existe uma alternativa. O paradigma de “compliance by design” propõe um sistema que, por sua própria arquitetura, previne a evasão de forma natural e induz à conformidade espontânea. Em vez de perseguir o sonegador após o fato, cria-se um ambiente em que sonegar se torna extremamente difícil ou inviável. E o Brasil já possui a infraestrutura para isso.
A chave reside na criação de um Imposto sobre Transações Financeiras Digitais (ITFD). Com o Pix, o País se tornou líder global em pagamentos digitais instantâneos, alcançando milhões de pessoas e empresas. Essa capilaridade oferece a chance única de rastrear transações de forma eficiente e transparente. Um ITFD bem desenhado, com alíquotas mínimas e foco na movimentação financeira, poderia reduzir a evasão e ampliar a base tributária sem penalizar ainda mais quem já paga. Cada transação digital contribuiria minimamente, mas de forma universal. E a informalidade perderia sua maior força: a invisibilidade.
No entanto, a direção atual parece ir na contramão. O PLP 182/2025 é exemplo disso ao propor aumento de 10% nos percentuais de tributação do Lucro Presumido e tratar regimes simplificados como “benefícios” a serem cortados. Essa lógica ignora que tais regimes estimulam a formalização de pequenas e médias empresas espinha dorsal da economia. Ao restringi-los, corre-se o risco de empurrar negócios para a informalidade, criando um efeito bumerangue que reduz arrecadação e capacidade produtiva.
Em suma, a estratégia atual é “estrategicamente míope”. Insiste em extrair mais de um grupo cada vez menor de contribuintes honestos em vez de enfrentar o desafio sistêmico da evasão. Essa é uma abordagem injusta e insustentável a longo prazo, que desestimula o empreendedorismo, a inovação e a confiança no Estado.
É hora de virar a página. O Brasil precisa de uma reforma tributária inteligente, moderna e justa, que use tecnologia a seu favor, incentive a formalização e combata a evasão com a mesma veemência com que cobra dos bons contribuintes. Somente assim teremos um sistema que sirva ao desenvolvimento do país, e não apenas a uma fúria arrecadatória que pune os honestos enquanto a evasão segue impune.
Marcos Cintra é doutor em economia por Harvard, professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas. Foi secretário especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; presidente da Finep; secretário municipal em São Paulo e São Bernardo do Campo; e subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo. Foi Vereador e deputado federal.